Turfe não é clube, e sim indústria

Opinião I 04.08.14

Por: sync

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No Brasil, 16 mil pessoas no campo e nas cidades — em um país que clama pela criação de empregos — vivem do funcionamento do turfe. Este número supera o de algumas montadoras de veículos e os empregos diretos gerados pela Zona Franca de Manaus. E todo este conjunto depende da existência de haras no interior e da evolução do volume de apostas nos Jockey Clubs. Aliás, o único jogo permitido pela lei, além das loterias estatais.

Mas não é só emprego o que o turfe dá. No Rio de Janeiro, o Jockey mantém às suas expensas, desde 1950, uma escola pública municipal que atende hoje a mais de 400 crianças, principalmente do entorno mais pobre do hipódromo. Além da escola de profissionais — em tempo integral — onde são formados jóqueis e redeadores.

Enquanto se olhar com desdém para uma atividade econômica cuja característica é ser mão de obra intensiva — na França são 77 mil empregos diretos — ou se imaginar que apostas em corridas de cavalo constituem algo maligno em um país onde hoje se aposta em tudo, de bicho a futebol e pôquer, de forma clandestina; enquanto o turfe for satanizado pela maioria dos veículos de informação; ou formos desinformados a este nível para não perceber que as corridas constituem um polo de expansão econômica, então, não há saída: vamos acabar com milhares de empregos. Dezesseis mil, para começar. Ou mais se considerarmos as atividades correlatas. Um desastre bíblico.

Mas isso não é o pior. O pior é perceber que a existência do turfe está permanentemente ameaçada por um relacionamento equivocado com o poder público, que tende a vê-lo como concorrente de suas loterias. Não é assim que funciona em nações desenvolvidas, onde as duas atividades convivem e se complementam de forma harmônica.

Ou, talvez, parte do equívoco advenha do fato de os Jockey Clubs acreditarem ser possível dialogar com o governo — e entre si — sem estarem reunidos sob um único ente nacional que os represente a todos e aos seus legítimos interesses. Na dúvida, façam o exercício: perguntem a um banqueiro o que ele acha de extinguir a Febraban, ou a um industrial de extinguir Fiesp e Firjan, ou a um trabalhador de acabar com seu sindicato. E aguardem a resposta.

Ou, talvez, a essência da culpa seja a falta do dever de cuidado dos Jockey Clubs, que, desviados de seu objeto social, insistem em gerenciar o turfe como parte de suas estruturas sociorrecreativas. Neste início de século, o turfe afluente do Hemisfério Norte é uma poderosa indústria, entendida e gerenciada como tal. Clube era em 1926, quando da inauguração do Jockey do Rio. Agora é indústria do turfe. O único nome pelo qual ela é reconhecida.

A continuar assim, sem representatividade à altura de sua importância econômica, gerido como clube, premido pela concorrência das loterias e tendo que disputar o mercado informal de apostas com os jogos de azar praticados no país — todos eles carentes de regulamentação —, chegará o dia em que o turfe brasileiro desaparecerá.

E, com ele, milhares de empregos no campo e na cidade, a formação dos profissionais da atividade e a criação do cavalo de corrida nacional. O rumo é de colisão. E há pouco tempo para mudá-lo.

(*) Sergio Barcellos é vice-presidente do Jockey Club Brasileiro e veiculou o artigo acima na editoria de Opinião do O Globo deste sábado (2).

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