Tabu no Congresso, apostas online podem bancar o Bolsa Família por 8 meses

Destaque I 24.07.19

Por: Elaine Silva

Compartilhe:

Loteria de forma mais ampla e jogos online geram impostos voluntários e poderiam colaborar para reduzir o atual rombo das contas públicas brasileiras. Pelo menos é isso que dizem os defensores da liberação desses jogos no país.

Dados do Instituto Jogo Legal apontam que o Brasil deixa de arrecadar hoje R$ 20 bilhões em impostos por ano, valor suficiente para bancar oito meses do orçamento destinado ao Programa Bolsa Família em 2019, que deve consumir R$ 30 bilhões.

Esse valor é calculado com base nas estatísticas de países que já têm jogos, hoje tidos como “de azar” no Brasil, como cassinos e bingos.

Em geral, a movimentação de jogos nesses países representa 1% do PIB (Produto Interno Bruto) e, no Brasil, a tributação estimada seria de 30% sobre esse giro.

Mas esse número pode ser ainda maior.

“Esse é um número pessimista, existe uma demanda reprimida no país, com medo de entrar em uma casa clandestina”, diz o presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, Magno José Santos.

Um estudo feito em 2015 pela Fundação Getulio Vargas (FGV), a pedido do Ministério da Fazenda na época, apontou que os jogos poderiam movimentar R$ 174,7 bilhões, com arrecadação de impostos estimada em R$ 58,8 bilhões anuais. Ou seja, o suficiente para bancar o Bolsa Família por quase dois anos.

Um relatório divulgado no início de julho pela GamblingCompliance, empresa de inteligência regulatória para a indústria de jogos e blockchain, aponta que a liberação das apostas no Brasil abre a oportunidade de se gerar US$ 1 bilhão em receitas.

“Para uma população que reluta em aumentar impostos, aumentar a arrecadação seria ótimo”, afirma Leonardo Palhares, sócio do Almeida Advogados, que sediou um debate sobre o tema em maio.

Além disso, a regulamentação das apostas online ajudaria a coibir atividades ilegais. A conclusão foi dos debatedores que estiveram na Comissão do Esporte na Câmara dos Deputados no fim de maio.

Apesar da avaliação na Câmara ter deixado um saldo positivo, o assunto ainda é tabu no país, tanto que há 16 projetos de lei para regulamentação dos chamados “jogos de azar” em tramitação na Casa.

Alguns deles foram apresentados há mais de 25 anos e praticamente não andaram durante todo esse tempo. Enquanto isso, os jogos online já são regulamentados em mais de 60 países.

Recentemente ganhou força na discussão uma lei do ano passado (Lei 13.576/18) que autoriza os jogos de apostas esportivas, por meio físico ou pela internet no Brasil. No entanto, a lei ainda precisa ser regulamentada.

Para o deputado Evandro Roman (PSD-PR), que pediu o debate realizado em maio, a regulamentação das apostas poderá coibir ilegalidades, como a lavagem de dinheiro, e ajudar a proteger os consumidores e a gerar receitas tributárias.

R$ 50 bilhões em loterias

O mercado brasileiro de loterias e jogos movimenta atualmente pelo menos R$ 50 bilhões por ano. Desse total, 44% são de títulos de capitalização, que ele chama de “loteria travestida”.

Outros 30% são de loterias federais, 8% de apostas esportivas, 6% de jogo do bicho, 6% de cassino, 4,7% de bingos, 0,7% de loterias estaduais e 0,6% são de corridas de cavalos.

Nos jogos que são atualmente ilegais, a fonte mais confiável para estimar os valores é a Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Nesse levantamento, as próprias pessoas declaram seus gastos.

Ainda assim, Pedro Trengrouse, vice-presidente da Comissão Especial de Direito de Jogos Esportivos, Lotéricas e Entretenimento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, acredita que os números estejam subestimados.

Na lanterninha

O especialista aponta que a arrecadação brasileira com loterias e apostas online ainda está muito distante de seu potencial e fica atrás de muitos países onde o marco regulatório é mais eficiente.

De acordo com dados apresentados pela Caixa Econômica Federal em audiência pública na Câmara dos Deputados, a arrecadação com loterias na Itália alcança US$ 34 bilhões por ano, com valor per capita de US$ 565.

A França movimenta US$ 16 bilhões, com US$ 249 per capita, e apenas Nova York arrecada US$ 9 bilhões por ano, sendo US$ 456 per capita.

Enquanto isso, no Brasil essa arrecadação não ultrapassa US$ 4 bilhões, com venda per capita de US$ 18,53, ficando atrás de Portugal (US$ 228), Uruguai (US$ 40) e Argentina (US$ 36).

Um dos fatores que explica a baixa arrecadação das loterias no Brasil é o fato de que a legislação prevê uma parcela menor para os prêmios no Brasil, em comparação a outros países. A média mundial supra os 50%.

1 milhão de empregos

A liberação dos chamados “jogos de azar” teria potencial de gerar 1,3 milhão de empregos, segundo o presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, Magno José Santos, sendo 659 mil vagas diretas.

Esse volume de vagas estimadas é mais do que o dobro do saldo de empregos formais gerados no país no ano passado (529.554).

Para essa conta, Santos diz que leva em consideração dados do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) sobre o setor de serviços e números informais sobre os “jogos de azar”.

“O jogo do bicho tem 350 mil pontos de venda com 450 mil trabalhadores hoje”, diz Santos.

A indústria de cassinos americana gera cerca de 1,7 milhão de empregos.

Títulos de capitalização é concorrência?

Para Pedro Trengrouse, sim. Os títulos de capitalização foram apontados por ele, durante audiência pública na Câmara, como “um atentado contra a economia popular”.

Trengrouse avalia que esse tipo de serviço financeiro “canibaliza” o mercado de loterias do país.

As loterias da Caixa Econômica arrecadaram R$ 13,85 bilhões em 2018, enquanto os títulos de capitalização tiveram receita 51,6% maior, de R$ 21 bilhões.

Esse movimento é decorrente, segundo Trengrouse, de uma legislação antiga e confusa.

“Essa concorrência desleal precisa ser resolvida por lei”, escreve Pedro Trengrouse em memorando.

Trengrouse apontou em sua apresentação na comissão da Câmara as seguintes vantagens dos títulos de capitalização sobre as loterias:

– títulos estão disponíveis em mais de 23 mil agências e quase 40 mil postos bancários, enquanto loterias estão em 14 mil casas lotéricas

– títulos são oferecidos “ativa e insistentemente”, enquanto as loterias são vendidas passivamente

– títulos pagam prêmios menores que as loterias

“É bem provável que uma das razões para que não tenha havido proposta sequer no leilão da Lotex tenha sido justamente a autorização para que títulos de capitalização ofereçam premiação instantânea”, avalia Trengrouse.

O leilão da Lotex teve sete tentativas fracassadas e, agora, o governo decidiu flexibilizar as regras para a concessão das “raspadinhas”, como são conhecidas as loterias instantâneas.

As filas também jogam contra as lotéricas. Segundo Trengrouse, as filas enormes geradas por outros serviços oferecidos, como os bancários, levam à desistência dos jogos por impulso.

Em defesa dos títulos de capitalização, Carlos Alberto Corrêa, diretor executivo da FenaCap (Federação Nacional de Capitalização), afirma que a pessoa que compra um bilhete de loteria e não é premiada perde todo o dinheiro, enquanto o título é “um instrumento de capitalização financeira” e que não visa apenas a premiação por sorteio.

Corrêa conta ainda que o segmento gera mais de 70 mil empregos diretos e indiretos.

Efeitos danosos

Um levantamento da Paraná Pesquisas, feito em maio a pedido do Instituto Brasileiro do Jogo Legal, aponta que 52,1% dos 513 deputados federais aprovariam a legalização dos “jogos de azar”, incluindo cassinos, bicho, bingos e apostas online.

Os indecisos somaram 7,1% e os contrários à liberação representavam 40,8%. Entre as razões apontadas para não liberar os jogos estavam:

– Facilidade para lavar de dinheiro (20,6%)

– Aumento do vício (17,2%)

– Religião (10,1%)

– Fiscalização deficitária (9,7%)

– Ausência de controle por parte do governo (9,2%)

– É contra jogos de azar (0,4%)

– Influência menores de idade a jogar (0,4%)

– Outras citações (1,2%)

– Não souberam citar (2,9%)

A preocupação com o aumento do vício em jogos não é à toa. Em Portugal, 0,6% dos adultos assume ter problemas patológicos com jogos e 1,2% admite ter problemas com o abuso das apostas.

No último ano, 125 mil portugueses começaram a jogar, somando 1,3 milhão de jogadores registrados. Também em 12 meses, mais de 14 mil jogadores pediram para ser barrados em sites de apostas. O motivo? Reconheceram que a relação com os jogos não era saudável.

O vício gera custos ao sistema de saúde. Estima-se que de 0,2% a 3% dos adultos sofrem de algum problema relacionado aos jogos e apostas.

Hermano Tavares, psiquiatra e professor do departamento de psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), disse em entrevista à Agência Brasil em 2016 que a demanda por tratamento de jogadores compulsivos praticamente triplica quando as apostas são liberadas.

“Defendo que a própria indústria pague a conta, que tenha uma tarifa junto ao órgão regulador para que parte dos custos seja destinado ao tratamento do jogador patológico”, afirma o presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal.

Sobre a lavagem de dinheiro, outra preocupação importante demonstrada pelos deputados, Trengrouse explicou em sua apresentação na Câmara que é a falta de regulamentação nos jogos que abre brechas para ilegalidades.

Ele citou o caso dos “anões do orçamento” e que, há alguns anos, o Coaf identificou 30 pessoas que, juntas, ganharam na loteria 1.802 vezes.

Em 10 de julho, o presidente da Comissão de Turismo, Newton Cardoso Jr. (MDB-MG) entregou ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) os projetos prioritários da Comissão de Turismo e incluiu o projeto (Lei 442/1991), que trata da legalização dos Jogos.

“Como o Dia Mundial do Turismo é comemorado no dia 27 de setembro, pensamos que essa seria a semana ideal para consolidar esse esforço. Por tal motivo, venho por meio deste, solicitar apoio para inclusão de projetos de lei voltados para o turismo na pauta da Ordem do Dia do Plenário da Casa”, escreveu Newton Cardoso Jr.

As apostas online são legalizadas em 97% dos países que fazem parte da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e em 93% dos países do G-20, grupo formado pelas maiores economias do mundo. (Valor Invest – Weruska Goeking – São Paulo)

Comentar com o Facebook