Saudades de uma época…

Cassino I 20.05.03

Por: sync

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Era uma vez um imigrante espanhol de apenas 12 anos que chegou ao Brasil como tantos outros. Com a idéia fixa de trabalhar muito e ganhar o novo mundo. O começo do século 20 prometia muito e o Brasil foi o local escolhido para ele começar essa história. Mais precisamente a cidade de Santos, no litoral paulista.
Começou trabalhando numa padaria, depois montou um bar e trabalhou ainda na área de exportação de café. Até que um dia do ano de 1910, em conjunto com alguns amigos, Manoel Vallejo vislumbrou uma grande oportunidade: cons-truir um cassino no topo do Monte Serrat, onde existia uma pequena capela em homenagem à santa. Mas a grande dificuldade era o acesso ao cume do morro. A solução foi a construção de um funicular, espécie de bondinho puxado por cabos. O projeto nasceu em 1910, mas foi suspenso por causa da Primeira Guerra Mundial, sendo retomado apenas no início da década de 20. A parte civil foi projetada na França, o projeto mecânico era alemão e muitos equipamentos foram fabricados na Áustria.
Apenas em 1927 foi inaugurado o funicular e o cassino da S.A. Monte Serrat Casino Elevador. Como não poderia deixar de ser, a nata da sociedade paulista foi à inauguração e passou a freqüentar o cassino, que tinha restaurante, palco para shows e a sala de jogo. Estava aberta a temporada de glamour e charme num dos mais badalados lugares do litoral paulista. Lá se apresentavam os mais importantes artistas brasileiros da época, entre eles o grande Franciso Alves (o Rei da Voz) e a inesquecível Carmem Miranda. Na platéia, no restaurante e no cassino, muitos banqueiros, juízes e políticos influentes, como os ex-governadores de São Paulo Júlio Prestes e Dino Bueno. Todas essas personalidades subiam pelo bondinho com as cortinas fechadas para não serem vistos durante o percurso.
E o Casino de Monte Serrat era realmente um luxo, digno de autoridades de todos os naipes. Na sua construção foram utilizados mate-riais nobres, como mármore de Carrara, vitrais belgas, cortinas e tapetes franceses, prataria e cristais finos importados da Europa.
Tudo ia muito bem até que chegou o fatídico 30 de abril de 1946, quando o presidente Eurico Gaspar Dutra acabou com o glamour dos cassinos proibindo a atividade de jogos no Brasil. Durante dez anos Manoel Vallejo e seus sócios mantiveram a esperança de que os cassinos seriam reabertos no país e não fizeram qualquer alteração no complexo, mantendo o funicular em operação para levar peregrinos à capela da Padroeira de Santos e visitantes da cidade para admirarem o visual maravilhoso da Serra do Mar, do Porto de Santos e de boa parte da Baixada Santista.
Mas os custos de manutenção eram muito altos e os sócios foram deixando a sociedade, terminando por ficar nas mãos do visionário e sonhador Vallejo, que morreu sem ver seu sonho voltar a ser realidade.
Durante anos os filhos de Manoel Vallejo também acreditaram na possibilidade da volta dos cassinos, mas a estrutura de jogo acabou se perdendo com o tempo e com o desmoronamento de uma área do morro de Monte Serrat, sobrando apenas a prataria, os cristais e fichas, muitas fichas do antigo cassino. Atualmente, o Complexo Turístico de Monte Serrat é dirigido por dois dos herdeiros de Manoel Vallejo, sua filha Tereza Barreto Vallejo e o neto do idealizador, Paulo Sérgio S. Vallejo, que mantêm os salões com as características originais da decoração da época. Só a destinação é outra. Em vez do glamour e charme de um cassino, os salões são alugados para eventos sociais e festas. Além disso, pela localização privilegiada, o prédio do antigo cassino é utilizado como mirante nas mais variadas ocasiões, como aconteceu quando o cometa Halley cortou os céus brasileiros ou na chegada do cortejo fúnebre do ex-governador Mário Covas, que foi enterrado em Santos.
O complexo acaba de passar por uma reforma e a estação do funicular foi restaurada para torná-lo agradável aos olhos de quem visita Santos. Paulo Vallejo afirma que as reformas são necessárias para que o patrimônio continue sendo uma referência na cidade. "Queremos preservar todo o complexo, mas não temos a pretensão de que voltemos a abrigar um cassino ou mesmo um bingo, mas se a oportunidade chegar, poderemos avaliar as propostas, já que todo o charme do lugar merece ser muito bem explorado. Como a região onde estamos instalados está passando por um programa sério de revitalização, pela Prefeitura de Santos, acredito que o Centro da cidade voltará a ter um comércio forte e a abrigar muitas atividades culturais e de lazer. E por que não um cassino ou um bingo?", indaga Paulo.

Games Magazine – Gildo Mazza

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