Poder de Polícia Municipal não pode invadir competência exclusiva de determinação de atividades, pertencentes à união – exploração de atividade de Bingo é lícita por força da MP 2216-37, com vigência e eficácia até o presente.

Especial I 03.08.06

Por: sync

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Consulta-nos a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BINGOS – ABRABIN entidade privada que congrega estabelecimentos que exploram atividades de jogos de bingos, sobre a legalidade de tais jogos tendo em vista as diversas alterações que ocorreram na legislação de regência, que dão margem a interpretações equivocadas por parte de autoridades públicas, quanto a ser atividade lícita, além de questões relacionadas com a competência para legislar sobre a matéria .

Diante de interpretações errôneas da legislação, por parte das autoridades públicas, principalmente, na esfera Municipal, as associadas da Consulente têm sofrido constrangimentos, além de prejuízos, seja afastando clientela, seja com a interdição de estabelecimentos, que resultam em danos morais e materiais de elevada monta, principalmente, em casas do ramo de grande porte, um dia de interdição significa prejuízos de ordem financeira, que poderão ser irrecuperáveis, além de motivar desemprego no setor que reflete diretamente na ordem social.

Em face do exposto, indaga a Consulente:

1º) A competência para legislar sobre a exploração de jogos de bingo é privativa da União Federal?

2º) Haveria na hipótese da Lei 9.981/2000 “Lei Maguito” e posteriormente da MP 168/2004, repristinação do art. 50 da lei de contravenções penais (Decreto-lei nº 3688/41) – ou a repristinação apenas ocorre se houver expressa menção na nova lei ou Medida Provisória?

3º) É lícita essa atividade de exploração de jogos de bingo?

4º) A Prefeitura Municipal de São Paulo tem competência para dizer se tal atividade é lícita ou ilícita? Ou sua atividade consiste no exercício exclusivo do poder de polícia?

5º) Quais os limites do poder de polícia?

6º) Quais os limites da fiscalização Municipal sobre os estabelecimentos que exploram os jogos de bingo?

 

R E S P O S T A

As questões formuladas pela Consulente, envolvem diversos aspectos relacionados com a interpretação da legislação, a partir da teoria geral do direito, que serão examinados à luz da Constituição Federal, do princípio da legalidade, da prática de atividades licitas e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Para melhor compreensão da matéria, torna-se necessário o exame do histórico legislativo.

A atividade de exploração de jogos de bingo no Brasil foi instituída pela Lei nº 8.672/93, a denominada Lei “Zico”, que derrogou a Lei de contravenções penais, Decreto-Lei nº 3.688/41, que proibia, de forma genérica, a exploração de jogos de azar, na forma prescrita em seu art. 50, assim disposto:

“Art. 50 – Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele:
Pena: prisão simples, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos móveis e objetos de decoração do local”.

Referida Lei nº 8.672/93, revogadora da contravenção penal descriminalizou a exploração da atividade de jogo de bingo, considerando-a como fonte alternativa de recursos para o esporte, permitindo que entidades desportivas promovessem jogos de bingo mediante autorização junto à autoridade fazendária estadual, nos seguintes termos:

“Art. 57 – As entidades de direção e de prática desportiva filiadas a entidades de administração em, no mínimo, três modalidades olímpicas, e que comprovem, na forma da regulamentação desta lei, atividade e a participação em competições oficiais organizadas pela mesma, credenciar-se-ão na Secretaria de Fazenda da respectiva Unidade da Federação para promover reuniões destinadas a angariar recursos para o fomento do desporto, mediante sorteios de modalidade Bingo, ou similar.

Parágrafo 1º – O órgão competente de cada Estado e do Distrito Federal fiscalizará a realização dos eventos de que trata este artigo.”

Posteriormente, a “Lei Zico” foi revogada pela Lei 9.615/98, denominada “Lei Pelé” manteve a atividade no âmbito da licitude, alterando, entretanto, o procedimento de concessão de autorização para sua exploração.

Assim, foi criado o Instituto Nacional de Desenvolvimento do Esporte (INDESP), que passou a ser o órgão responsável pelo exercício da fiscalização da atividade. Com isso, o jogo de bingo continuou a poder ser explorado como atividade econômica por agentes privados – clubes e entidades desportivas com a possibilidade de também poder ser exercida por empresas administradoras contratadas para tanto. Assim prescrevia o artigo 59 e seguintes da Lei nº 9.615/98, a saber:

“Art. 59 – Os jogos de bingo são permitidos em todo o território nacional nos ermos dessa Lei.”

“Art. 60 – As entidades de administração e de prática desportiva poderão credenciar-se junto à União para explorar o jogo de bingo permanente ou eventual com a finalidade de angariar recursos para o fomento do desporto.”
(…)
“Art. 61 – Os bingos funcionarão sob responsabilidade exclusiva das entidades desportivas, mesmo que a administração da sala seja entregue a empresa comercial idônea”.

A par das modificações acima mencionadas, a Lei “Pelé” também inovou ao estabelecer tipos penais específicos para a atividade, com vistas a reprimir seu exercício irregular.

Após dois anos de vigência da Lei “Pelé” foi editada a Lei “Maguito”, Lei nº 9.981/00, publicada em 14 de julho de 2000. Esta lei pretendia revogar expressamente a Lei “Pelé” em seus artigos 59 a 81 que regulavam a matéria, incluindo-se aí, todos os tipos penais específicos da atividade, artigos 75 a 81. Entretanto, sua vigência não foi imediata, pois prevista uma “vacatio legis” de mais de um ano, a se ultimar em 31/12/2001. Assim prescrevia o teor de seu artigo 2º:

“Art. 2º – Ficam revogadas, a partir de 31 de Dezembro de 2001, os artigos 59 a 81 da Lei nº 9.615, de 24 de Março de 1998, respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor até a data de sua expiração”.

Antes, porém, do término da “vacatio legis” prevista para a entrada em vigor da “Lei Maguito”, que revogaria as disposições da “Lei Pelé” concernentes à exploração do jogo do Bingo, surgiu a Medida Provisória nº 2.049, de 25 de outubro de 2000, em sua 24º edição que revogou tacitamente a “Lei Maguito” por ser posterior e antinômica em relação a esta, em razão da primeira prever a revogação de toda a regulamentação da atividade, e a segunda, justamente prever a nova redação especificamente ao artigo 59 da “Lei Pelé”, restabelecendo-lhe vigência antes mesmo que se operasse sua revogação pelo decurso de tempo previsto na “Lei Maguito”.

Em outras palavras, a Medida Provisória nº 2.049-24, de 26 de outubro de 2000, sobreveio enquanto ainda estava pendente de eficácia o artigo 2º da Lei nº 9.981/2000, porquanto o termo “ad quem” neste fixado (31/12/2001) não fora cumprido.

Referida Medida Provisória em seu artigo 25, ainda, extinguiu expressamente o INDESP, atribuindo à União seu patrimônio jurídico e suas competências (policia administrativa). E em seu artigo 26 foi atribuída nova redação ao artigo 59 da “Lei Pelé”, alterando o regime jurídico da atividade para torná-la Serviço Público Federal. Para tanto, a MP 2049-24, atribuiu à União a titularidade da atividade e à Caixa Econômica Federal a sua execução, permitindo, entretanto, que fosse efetuada também de forma indireta, por meio de empresas administradoras do setor, em que se lê:

“Art.25 – Fica extinto o Instituto Nacional do Desenvolvimento do Desporto – INDESP.
(…)

“Parágrafo 2º – As atribuições do órgão extinto ficam transferidas para o Ministério do Esporte e Turismo e as relativas aos jogos de bingo para a Caixa Econômica Federal”.

“Art. 26 – O art. 59 da Lei nº 9.615, de 24 de Março de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art.59 – A exploração de jogos de bingo, serviço público de competência da União, será executada, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal em todo território nacional, nos termos desta lei e do respectivo regulamento”.


A EFICÁCIA DO ATO NORMATIVO E A LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL

O comando do art. 2º e seus três parágrafos da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei 4.657/42), estão assim redigidos:

“Art. 2º – Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1º – A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º – A lei nova, que estabeleça disposições gerais e especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3º – Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.

A clareza dos dispositivos acima transcritos não oferta margem a dúvidas sobre a intenção legislativa, sobre o sistema hospedado para questões exegéticas – dedicado ao intérprete – e sobre a racionalidade dos princípios que regem a lei positiva no tempo.

A perenidade da Lei de Introdução ao Código Civil, pela excelência de seus dispositivos, demonstra que o seu art. 2º é um dos mais estáveis do ordenamento jurídico nacional. De rigor referido artigo permite ao intérprete a adoção dos critérios maiores para conhecimento de permanência normativa.

Assim é que o “caput” do artigo delimita o aspecto temporal, informando que uma lei vigora até que seja revogada ou modificada por outra.

Nem se discute eventual redundância dos verbos utilizados “modificar” e “revogar” posto que a explicação do § 1º demonstra que a revogação, por sua extensão vernacular abrange qualquer forma de afastamento do direito anterior, inclusive a derrogação, ou seja, a alteração parcial, tal redundância, em se admitindo, não prejudica a clareza do comando legislativo, o qual esclarece que em três hipóteses ocorre a revogação, a saber: de forma expressa, pela incompatibilidade das disposições, prevalecendo a nova conformação legislativa, e pela Inteira regulação da lei anterior.

As três hipóteses, portanto, configuraram as condições possíveis de modificação total ou parcial (ab-rogação ou derrogação), resultando a importância do art. 2º que retira abrangência das duas hipóteses fiscais do § 1º (incompatibilidade regulação completa) e do § 3º que evita a repristinação.


O FENÔMENO DA REPRISTINAÇÃO

Etimologicamente, repristinação é palavra formada do prefixo latino re (fazer de novo, restaurar) e pristinus (anterior, antigo, primitivo), significando pois restauração do antigo (Antonio Chaves, Eficácia da lei no Tempo”, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 30, pg. 209/210).

Quando o legislador derroga ou ab-roga uma lei que revogou a anterior, surge a questão de se saber se a norma que fora revogada fica restabelecida, recuperando sua vigência, independentemente de declaração expressa. (Affonso Insuela Pereira, ao examinar a questão da revogação total (ab-rogação),escreve: “O termo ab-rogação, em direito, deve ser entendido como a cessação da existência de uma norma jurídica. Pode significar, também, que a norma jurídica deixou de ser obrigatória na sua totalidade, É pois, ao lado da derrogação, uma espécie da revogação.
Diz-se revogação total de uma norma jurídica, entendida esta genericamente como regra, não importando a sua categoria e não diferindo, por essa razão, a portaria do regulamento, do decreto, do decreto-lei ou da lei.
Assim entendida a ab-rogação, significa ela ação de anular, de tornar sem efeito, de fazer cessar a vigência de uma norma anterior.
Há de distinguir-se, entretanto, a ab-rogação da derrogação, pois enquanto aquela designa a abolição total da norma, nesta, a derrogação, dá-se tão-somente a cessação parcial da obrigatoriedade da mesma” (Enciclopedia Saraiva do Direito, vol 1, pg.486)
.

O § 3º do art. 2º da LICC, é peremptório: a lei revogadora de outra lei revogadora não terá efeito repristinatório sobre a norma abolida, ou seja, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência, a não ser que haja pronunciamento da lei a esse respeito.
Em nosso sistema jurídico, quanto a repristinação são três a s hipóteses que podem ocorrer:

1º) proibição da repristinação significando que a antiga lei não se revalidará pela revogação da lei posterior, uma vez que a nova lei não restitui a vigência da lei que ela revogou;

2º) restauração da antiga lei , quando a norma revogadora tiver perdido a vigência, desde que haja disposição expressa nesse sentido;

3º) restauração da lei antiga em caso de inconstitucionalidade da lei revogadora.

Assim, deixando de existir a norma revogadora, como regra geral, não terá o convalescimento da norma revogada. A revogação põe termo à lei anterior que pelo término da vigência da norma que a revogou, não renascerá, ou seja: a lei revocatória não voltará “ipso facto” ao seu antigo vigor, a não ser que haja firme propósito de sua restauração, mediante declaração expressa de lei nova que a restabeleça, restaurando-a “ex nunc”, sendo denominada por isso “repristinatória”. Faltando menção expressa, a lei restauradora ou repristinatória é lei nova que adota o conteúdo da norma primeiramente revogada. Logo, sem que haja outra lei que, explicitamente, a revigore, será a norma revogada tida como inexistente.

De tal forma que, se a norma revogadora deixar de existir, a revogada não se convalesce, a não ser que contenha dispositivo dizendo que a lei primeiramente revogada passará a ter vigência.

No caso da Consulente, enquanto a Lei nº 9.981/00, “Lei Maguito”, cumpria a “vacatio legis” e, portanto, ainda não eficaz (porque pendente do advento do termo inicial – 31/12/2001 – expressamente previsto em seu art. 2º), vigorava o art. 59 da “Lei Pelé” – Lei nº 9 615/98-, que legalizou o jogo do bingo. Antes do advento desse termo, foi editada a Medida Provisória 2.049, que preservou a vigência do art. 59 acima citado, justamente durante o lapso temporal em que a “Lei Maguito” não lograra eficácia, ou seja, estava pendente de condição para ser aplicada.

A propósito do “ATO PENDENTE” são esclarecedoras as lições de HELY LOPES MEIRELLES:

“Ato Pendente é aquele que, embora perfeito por reunir todos os elementos de sua formação, não produz seus efeitos, por não verificado termo ou a condição de que depende sua exigibilidade (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 17ª edição, pg. 157).


CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO observa:

“Um ato pode ser:
C) perfeito válido e ineficaz quando concluído o seu ciclo de formação e estando adequado aos requisitos de legitimidade, ainda não se encontra disponível para eclosão de seus efeitos típicos, por depender de um termo inicial ou de uma condição suspensiva…”(Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 15ª edição, pg. 356).

Desta forma, a proibição do jogo de bingo, pela “Lei Maguito” (Lei 9981/00), tornou-se sem efeito, na vacatio legis” ou seja estava pendente de condição para ser aplicada, quando adveio a Medida Provisória 2.049, que preservou a vigência do art. 59 da Lei 9615/98 “Lei Pelé” prevalecendo, então, as regras do art. 2º da LICC “lei posterior revoga lei anterior quando seja com ela incompatível”.

Tanto que o Decreto nº 3.659, de 14 de novembro de 2000, surge para “regulamentar a autorização e a fiscalização de jogos de bingo” e dar outras providências. Desse regulamento é importante destacar os seguintes dispositivos:

“Art. 1º – A exploração de jogos de bingo, serviço público de competência da União. Será executada, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal em todo o território nacional, nos termos das Leis nºs 9.615, de 24 de março de 1998, e 9.9981 de 14 de julho de 2000 dos respectivos regulamentos, deste Decreto e das demais normas expedidas no âmbito da competência conferida à Caixa Econômica Federal.

(….)
Art. 3º – Considera-se execução:

I – direta quando efetuada sob responsabilidade da CAIXA e por sua conta e risco;
II – Indireta, quando autorizada pela CAIXA e efetuada sob a responsabilidade de entidade e por sua conta e risco.
Parágrafo único – A exploração indireta de jogos de bingo implica responsabilidade exclusiva da entidade desportiva autorizada, mesmo que a administração da sala seja entregue a empresa comercial idônea, observado o disposto no art. 4º, da Lei 9.981, de 2000.
(…)

Art. 5º – A autorização deverá ser requerida à CAIXA com antecedência mínima de trinta dias da data pretendida para o início do evento, instruindo-se o correspondente pedido com os seguintes documentos e informações: (g.n)

O que demonstra que o próprio Poder Executivo reconheceu que a revogação efetuada pela “Lei Maguito” tornara-se sem efeito, com o advento da MP 2.049-24/2000. Tanto assim, que o Decreto nº 3.659/2000:

A) consagrou o jogo do bingo como “serviço público de competência da União”
B) viabilizou sua execução indireta e
C) dispôs sobre autorizações futuras (art. 5º)

Sendo o jogo do bingo um serviço público, não pode constituir, por sua própria natureza e essência, atividade ilícita. Não pode esse jogo ser considerado, ao mesmo tempo, lícito e ilícito!

A Caixa Econômica Federal, em 6 de dezembro de 2000, expediu, então, a Circular nº 202, ratificada pela Circular nº 210, de 6 de fevereiro de 2001, de igual teor, da qual se extraem, por pertinentes e oportunos, os seguintes trechos:

“1.2 – Os jogos de bingo são autorizados com base na seguinte legislação:
– Lei 9.615, de 24 de março de 1998;
– Lei 9.981, de 14 de julho de 2000;
-Medida Provisória 2.049-25, de 23 de novembro de 2000;
– Decreto 3.659, de 14de novembro de 2000”.
(….)

DO CREDENCIAMENTO E DA AUTORIZAÇÃO

Os pedido de credenciamento e de autorização serão processados em único ato, formalizando-se processo mediante a apresentação dos documentos nesta circular
(…)

A autorização será negada se não provados quaisquer dos requisitos de regularidade da documentação exigida ou se houver indícios de inidoneidade da Entidade Desportiva, da Promotora ou quaisquer de seus dirigentes ou sócios”. (g.,n)

Trata-se, assim, de demonstração “oficial” de que o jogo do bingo continuou e continua lícito.
Por último, adveio a Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001, que em seu artigo 18, dispõe:

“Art. 17 – O art. 59 da Lei no 9.615, de 24 de março de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 59 – A exploração de jogos de bingo, serviço púbico de competência da União, será executado, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal em todo o território nacional, nos termos desta Lei e do respectivo regulamento”. (NR) (g.n)

Imprescindível esclarecer que a MP supra vigora até hoje como se lei material fosse, em razão da definitividade que lhe deu o art. 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001:

“Art. 2º – As medidas provisórias editadas em data anterior à publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”.

Assim, por força do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de Setembro de 2001, a Medida Provisória nº 2.216-37 continua vigente, bem como eficazes seus efeitos, principalmente no que concerne ao regime jurídico público federal da atividade nela prevista, até que outra norma expressamente venha a revogá-la.

O jogo do bingo, portanto, não chegou a configurar uma atividade ilícita, como pretendia a “Lei Maguito”. Tanto que o Presidente da República, com o aval do Ministro da Justiça, por Decreto s/n, de 1º de outubro de 2003, instituiu Grupo de Trabalho Interministerial para, no prazo de quarenta e cinco dias contados a partir de sua instalação, “avaliar e apresentar propostas para MODIFICAR A LEGISLAÇÃO que trata das atividades relacionadas à exploração dos jogos de bingo”.

Esse decreto presidencial que instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial pretendia “MODIFICAR A LEGISLAÇÃO QUE TRATA DAS ATIVIDADES RELACIONADAS À EXPLORAÇÃO DOS JOGOS DE BINGO” o que comprova que havia uma legislação vigente que exigia aperfeiçoamento e modificação.

Por outro lado, a única tentativa que o Governo Federal realizou para revogar explicitamente o artigo 17 da MP nº 2.216-37 -, que deu nova redação ao artigo 59 da Lei Pelé, alçando a exploração do jogo de bingo à natureza de serviço público federal -, tornando-a proibida, foi exatamente a Medida Provisória nº 168, de 20 de fevereiro de 2004, que em seu artigo 8º determinou:

“Art. 8º – Ficam revogados os artigos 2º, 3º, e 4º da Lei nº 9.981, de 14 de julho de 2000, o artigo 59 da Lei nº9.615, de 24 de março de 1998 e o artigo 17 da Medida Provisória nº 2.216-37 de 31 de agosto de 2001”.

Ocorre que referida Medida Provisória nº 168/2004, foi rejeitada pelo Senado Federal, por ausência dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência, necessários a sua expedição pelo Sr. Presidente da República, conforme Ato Declaratório, publicado no D.O.U de 06/05/2004, em que se lê:

“ATO DECLARATÓRIO

“O PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL faz saber que, em sessão realizada no dia 5 de maio de 2004, O Plenário da Casa rejeitou os pressupostos constitucionais de relevância e urgência da Media Provisória nº 168, de 20 de fevereiro de 2004, que “proíbe a exploração de todas as modalidades de jogos de bingo e jogos em máquinas eletrônicas denominadas “caça níqueis”, independentemente dos nomes de fantasia e dá outras providências” e determinou o seu arquivamento”.

Com efeito, a Constituição Federal, autoriza o Presidente da República expedir medidas provisórias na forma do art. 62, com as alterações introduzidas pela EC 32/2001, que contém a seguinte dicção:

“Art.62 – Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional”.

E o § 5º, dessa norma dispõe:

§ 5º – A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais”.

Referido dispositivo (§ 5º), garante para o exame da medida provisória, processo semelhante ao dos projetos de lei, em que a Comissão de Constituição e Justiça opina previamente sobre sua constitucionalidade.

De tal forma que, o exame prévio da constitucionalidade antecede o exame de mérito, desse ato legislativo, o que vale dizer, se detectada sua inconstitucionalidade, será rejeitada, independentemente do exame de mérito pela Casa que a considerou maculadora da Constituição.

No caso da Medida Provisória nº 168/2004, tendo sido rejeitada pelo Congresso por falta dos requisitos constitucionais e portanto constatada a sua inconstitucionalidade, não poderá surtir nenhum efeito legal.

Não basta a mera expedição de Medida Provisória pelo Sr. Presidente da República, para ter condição de validade. É preciso que esteja o ato legislativo em conformidade com a Constituição. Tendo o Senado Federal detectado que a MP 168/2004, não preenchia os requisitos constitucionais, e portanto inconstitucional, foi a mesma rejeitada, não podendo surtir efeitos legais, sendo inexistente no mundo jurídico. É como se nunca tivesse existido.

O vício, portanto, de inconstitucionalidade, mácula a Medida Provisória nº 168/04 “ab initio”, não podendo ter força de lei se rejeitada por inconstitucionalidade. A lei ou a Medida Provisória somente será constitucional quando fiel à Constituição.

Nesse sentido, decidiu a Suprema Corte, na ADIN 25/600, tendo como relator o Ministro Paulo Brossard, que em seu voto declarou:

“A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional, na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária.
Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinquentenária.
Ação direta de que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, DJ 21-11-1997, Ementário 1892-01)”.

Pela exegese da referida decisão, toda lei (no caso da Consulente Medida Provisória) é inconstitucional ou não o é e, se não o for, sua existência no mundo jurídico fica prejudicada, desde o seu surgimento.

Ora, uma vez rejeitada a MP nº 168/04, e com o conseqüente arquivamento, a situação dos bingos assim como o regime jurídico que a sua exploração se submete, deve subsumir-se aos princípios do serviço público, de competência da União, na forma estabelecida pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001, mantida em vigor, por força da EC nº 32/2001 (art. 2º), que em seu art. 17, repetiu a literalidade do art. 26 da MP nº 2049-24, mantendo, portanto, suas disposições ao regramento jurídico da atividade.


A COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE
A EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE BINGO.

A Constituição Federal, em seu artigo 22, atribui competência privativa à União, para legislar, sobre diversas matérias, entre as quais, consta “sistemas de consórcios e sorteios”, estando assim conformado:

“Art. 22 – Compete privativamente à União legislar sobre:
XX – sistemas de consórcios e sorteios”.

Competência privativa a que faz menção a norma constitucional, significa que a questão não comporta interferências dos Estados ou dos Municípios. É legislação exclusivamente federal, sem possibilidade de delegação aos demais entes que integram a federação.

Sendo competência exclusiva da União para legislar sobre a matéria, a vigência da nova redação do art. 59 da “Lei Pelé” introduzida pelo artigo 17 da Medida Provisória nº 2216-37, é de rigor e reconhece como atividade lícita a continuidade da exploração do jogo de bingo, com natureza de serviço público.

O Supremo Tribunal Federal em diversas oportunidades, reconheceu em ADINS, a competência da União para legislar sobre a matéria, entre as quais destacamos as seguintes ementas:

“ADI 2948/MT
Relator:Min. EROS GRAU
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 2º DO ARTIGO 62 DA LEI N. 7.156/99 DO ESTADO DO MATO GROSSO. INSTALAÇÃO E OPERAÇÃO DE MÁQUINAS ELETRÔNICAS DO JOGO DE BINGO NAQUELE ESTADO-MEMBRO. MATÉRIA AFETA À COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. 1.A Constituição do Brasil determina expressamente que compete à União legislar sobre sistema de consórcios e sorteios (art. 22, inciso XX). 2. A exploração de loterias constitui ilícito penal. Nos termos do disposto no art. 22, inciso I, da Constituição, lei que opera a migração dessa atividade do campo da ilicitude para o campo da licitude é de competência privativa da União. 3. Pedido de declaração de inconstitucionalidade Julgado procedente. (Julgamento em 03/03/2005)

“ADI N 2847/DF –
RELATOR: Min. CARLOS VELLOSO
EMENTA: CONSTITUCIONAL.LOTERIAS.LEIS 1.176/96, 2.793/2001, 3.130/2003 e 232/92. DO DISTRITO FEDERAL. C.F.,ARTIGO 22, I E XX. I – A Legislação sobre loterias é da competência da União: CF., art. 22, I e XX. II. – Inconstitucionalidade das Leis Distritais 1.176/96, 2.793/2001, 3.130/2003 e 232/92. III. – ADI julgada procedente. ( julgamento em 05/08/2004).”

Não resta dúvida, portanto, que a competência é exclusiva da União para legislar sobre jogos como sorteios e bingos (art. 22, XX CF), além de ser lícita essa atividade, em razão da legislação existente (MP nº 2216-37).


A COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

A Constituição Federal, em seu art. 30 atribui competência aos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementarmente a legislação federal e a estadual no que couber.

Referida norma, está assim redigida:

“Art. 30 – Compete aos Municípios:
I – legislar sobre assuntos de interesse local;
II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”.

Em conformidade com o art. 30 da Constituição Federal, ao Município compete legislar sobre assuntos de interesse local. Trata-se de competência exclusiva. A cada um dos Municípios brasileiros, foi atribuída competência para legislar sobre assuntos de interesse local, dentro do seu respectivo Território. Essa competência é ampla, porém, dentro do seu espaço territorial, na forma do inciso I.
Já o inciso II, trata-se de competência legislativa concorrente entre a legislação federal e a legislação estadual, no que couber.

O critério constitucional que estabelece os limites à função supletiva do Município é a parte final do inciso que diz: “no que couber”.

Desta forma não cabe ao Município competência suplementar a legislação federal constante do art. 22 da Constituição. O próprio artigo deixa claro que as matérias nele arroladas são de competência privativa da União.

É certo que o parágrafo único do artigo 22 da CF, vem ternamente amenizar o caráter exclusivo dessas competências,ao dispor que “lei complementar fixará normas de cooperação entre União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”. Podem, assim, as competências serem objeto de delegação aos Estados-Membros, porém, há necessidade de lei complementar que estabelecerá os limites para a prática do ato delegatório, ou seja, questões específicas das matérias relacionadas no referido art. 22 da CF.
A conclusão que se impõe, portanto, é de que o § único do art. 22 da CF, não abrange as leis federais do art. 22 da Constituição, como é o caso do inciso XX – (sistemas de consórcios e sorteios), a não ser que surja lei complementar de normas gerais que estabeleça os limites de delegação a outros entes que compõe a federação.

De outra parte, o art. 24 da Constituição arrola as matérias que podem ser de competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal, para legislarem de forma concorrente, restrita, essa concorrência tão-somente às materiais mencionadas, sendo certo que no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-à a estabelecer normas gerais.

O art. 24 da Constituição está assim conformado:

“Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
II – orçamento;
III – juntas comerciais;
IV – custas dos serviços forenses;
V – produção e consumo;
VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico turístico e paisagístico;
IX – educação, cultura, ensino e desporto;
X –criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;
XI – procedimentos em matéria processual;
XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;
XIII – assistência jurídica e defensoria pública;
XIV – proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiências ;
XV – proteção à infância e à juventude;
XVI – organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis”.

Se a matéria para legislar é exclusiva da União, à evidência que o Município de São Paulo não tem competência para legislar sobre atividades de exploração de bingos, nem dizer se a prática de tais atividades é lícita ou ilícita. Somente a lei federal poderá fazê-la.


O PODER DE POLÍCIA E SEUS LIMITES

O Estado é dotado de poderes políticos exercidos pelo Legislativo, pelo Judiciário e pelo Executivo, no desempenho de suas funções constitucionais.

Dentre os poderes administrativos dos entes que compõem a Federação, figura com especial destaque o poder de polícia, que a administração pública exerce sobre todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade.

Hely Lopes Meirelles ao conceituar o poder de polícia, de forma clara, ensina:

“Poder de Polícia é a faculdade que dispõe a Administração Pública para condicionar a restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.
Em linguagem menos técnica podemos dizer que o poder de polícia é o mecanismo de ferragem de que dispõe a Administração Pública, para conter abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem estar social, ao desenvolvimento e a segurança nacional.
(…)
No dizer de Cooley: “O poder de polícia (police power),em seu sentido amplo compreende um sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado busca não só preservar a ordem pública, senão também estabelecer para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boa conduta e de boa vizinhança que se supõe necessárias para evitar conflito de direitos e para garantir a cada um o gozo ininterrupto de seu próprio direito, até onde for razoavelmente dos demais” (Curso de Direito Administrativo Brasileiro, 15 Edição – Editora Revista dos Tribunais 1988 – pg. 110/111).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, com propriedade, ao examinar os limites do poder de polícia, escreve:

“Como todo ato administrativo, a medida de polícia, ainda que seja discricionária, sempre esbarra em algumas limitações impostas pela lei, quanto à competência e à forma, aos fins e mesmo com relação aos motivos ou ao objeto; quanto aos dois últimos, ainda que a Administração disponha de certa dose de discricionariedade, esta deve ser exercida nos limites traçados pela lei.
Quanto aos fins o poder de polícia só deve ser exercido para atender ao interesse público. Se o seu fundamento é precisamente o princípio da predominância do interesse público sobre o particular, o exercício desse poder perderá a sua justificativa quando utilizado para beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas, a autoridade que se afastar da finalidade pública incidirá em desvio de poder e acarretará a nulidade do ato com todas as consequências nas esferas civil, penal e administrativa.
A competência e o procedimento devem observar, também, as normas legais pertinentes.
Quanto ao objeto, ou seja, quanto ao meio de ação, a autoridade sofre limitações, mesmo quando a lei lhe dê várias alternativas possíveis. Tem aqui aplicação um princípio de direito administrativo, a saber, o da proporcionalidade dos meios aos fins; isto equivale a dizer que o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que se visa proteger, a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem-estar social; só poderá reduzi-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais.
Alguns autores indicam regras a serem observadas pela polícia administrativa, com o fim de não eliminar os direitos individuais:
1. A da necessidade, em consonância com a qual a medida de polícia só deve ser adotada para evitar ameaças reais ou prováveis de pertubações ao interesse público;
2. A da proporcionalidade, já referido, que significa a exigência de uma relação necessária entre a limitação ao direito individual e o prejuízo a ser evitado;
3. A eficácia, no sentido de que a medida deve ser adequada para impedir o dano ao interesse público.
Por isso mesmo, os meios diretos de coação só devem ser utilizados quando não haja outro meio eficaz para alcançar-se o mesmo objetivo, não sendo válidos quando desproporcionais ou excessivos em relação ao interesse tutelado pela lei”. (Direito Administrativo, Ed. Atlas, 1991, 2ª edição, pg. 92/93).

A razão do poder de polícia é o interesse social, e o seu fundamento está na supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre todas as pessoas, bens, e atividades, supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública que impõem condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Público o seu policiamento nos limites da lei.

Se a matéria para legislar é exclusiva da União, à evidência que o Município de São Paulo não tem qualquer competência para legislar sobre atividades de exploração de bingos, (privativa, exclusiva, concorrente com a suplementar), nem dizer se a prática de tais atividades é lícita ou ilícita. Somente a lei federal poderá fazê-la.

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 78, ao conceituar o “Poder de Polícia”, assevera que:

“Considera-se poder de polícia e atividade da administração pública, que, limitando ou disciplinado direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão do interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública, ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
§ único: Considera-se regular o exercício do Poder de Polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária sem abuso ou desvio de poder”.

O poder de polícia deve, assim, ser exercido, pelo órgão administrativo competente, nos limites da lei, considerando-se a causa a que foi instituída.

Pelo poder de polícia, o Município e a Administração em geral, mediante lei, condiciona, limita, o exercício da liberdade e da propriedade dos administrados, a fim de compatibilizá-las com o bem-estar social.

Desta forma, a administração fica incumbida de desenvolver certa atividade destinada a assegurar que a atuação dos particulares se mantenha em conformidade com as exigências legais, o que pressupõe a prática de atos, fiscalizadores ora preventivos e ora repressivos.

Em certos casos legalmente previstos, a atuação dos administrados dependerá da prévia outorga da Administração de licenças, permissões, autorizações, cuja expedição só será feita após a Administração se certificar de que os interessados em desempenhá-las preenchem as condições legais para tanto, constatando-se que as atividades pretendidas não implicarão riscos para o bem estar da sociedade. Para tanto, a Administração expede Alvarás, realiza exames, vistorias, etc.

Para o exercício dessas atividades pela Administração, a Constituição autoriza a cobrança de taxas, na forma do art. 145, II, que preceitua:

“Art. 145 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
II – taxas em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”.

Um dos subscritores do presente, ao comentar referida norma constitucional, escreve:

“Em visão maior da noção de serviço público, sobre a qual tantos autores no Brasil e em outros países se debruçaram , não há por que excluir o exercício do poder de polícia como serviço público.
O poder tributante não exerce o poder de polícia para justificar a cobrança da taxa pertinente, mas cobra a taxa relacionada porque exerce o poder de polícia. E o poder de polícia é serviço público profilático, objetivando orientar o comportamento social e empresarial, dentro de regras de ordem e coerência.
Não tivesse natureza de serviço público, a taxa remuneratória pertinente não teria a conformação de tributo, posto que o exercício do poder de polícia , artificialmente criado e desrelacionado do interesse social, representaria “ficção jurídica”, inadmissível para a imposição tributária.
O exercício do poder de polícia lato sensu é um serviço público prestado pelo ente tributante, a quem é facultado ressarcir-se pela espécie tributária denominada “taxa”.
Tal ressarcimento vincula-se ao custo operacional do serviço prestado, em face da cobrança superior, embora de difícil quantificação, implicar imposição de espécie tributária diversa da rotulada de “taxa”, eventualmente não enquadrável na competência residual da União para criar impostos.
O serviço público, portanto, correspondente ao exercício do poder de polícia, é daqueles que só podem ser remunerados por tributo, o que vale dizer, a sua instituição deve ser revestida de todos os pré-requisitos indicados pelo sistema tributário nacional. Isto porque o tributo se acoberta, no País, das características de norma de rejeição social, impondo a Carta Magna que, pela lei, seja o sujeito passivo de sua relação protegido contra as tentações fiscalistas dos erários, às voltas permanentemente com deficits públicos incontornáveis”. ( Comentários à Constituição do Brasil, vol. 6 Tomo I, Saraiva, 1990, pg.44-45).

Para a exigência de Taxa, deve haver uma causa em relação a atividade prestada pela Administração Municipal. À título exemplificativo, podemos mencionar:
A causa da Taxa de Licença para Localização e Funcionamento é atividade municipal de vigilância, controle e fiscalização do cumprimento da legislação específica, ditada pelo exercício do poder de polícia, na salvaguarda do interesse público.

A causa da Taxa de Combate a Sinistros é a atividade municipal de assistência combate e extinção de incêndios ou de outros sinistros em prédios.

Ainda por disposições constitucionais, as TAXAS não podem ter a mesma base de cálculo dos impostos, na forma do § 2º do art. 145 da CF.

Para o cálculo das TAXAS o Poder Público que as instituir deve levar em conta o custo efetivo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte.

É que as TAXAS, por sua própria natureza, representam o ressarcimento do valor da atuação estatal a elas correspondentes, somente podem ser medidas a partir dos custos dessa atuação.

O exercício do poder de polícia dos Municípios, portanto, encontra limites na lei. Esse poder, entretanto não autoriza a dizer se a atividade de exploração de bingos é licita ou ilícita, para efeitos de fiscalização, ou seja, não compete a Administração Municipal examinar o mérito dessas atividades, se há autorização pela legislação federal para tais explorações, de competência exclusiva da União.

Melhor explicando: O exercício do poder de policia do Município, restringe-se as atividades de fiscalização nos termos da legislação local, não porém, do exame do mérito da legislação federal, que autoriza as atividades de exploração de bingos, para declarar a atividade ilícita , quando há lei que a autoriza, tendo o Supremo Tribunal Federal declarado, em diversos julgados, a competência exclusiva da União para legislar sobre a matéria, nos termos do art. 22, XX, da CF.

A legislação que autoriza atividades de exploração de bingo, no caso a MP nº 2216-37, de 31/08/2001, encontra-se em vigência, por força do art. 2º da EC nº 32/2001.

Nesse sentido é a jurisprudência do Egrégio Tribunal Federal da 3ª Região, que reconheceu a vigência da nova redação do art. 59 da “Lei Pelé” introduzida pelo art.17 da Medida Provisória nº 2216-37, bem como a antinomia entre este dispositivo legal e o “caput” do artigo 2º da Lei nº 9.981/2000, que pretendia revogar a legislação dos bingos.

Merecem destaque, o seguintes trechos de alguns julgados do TRF-3ª Região:

“(…) Desta forma, embora discutível o caráter de serviço público; restou revogado o caput do art. 2º da Lei 9.981/2000, mantendo-se apenas a parte segunda do seu parágrafo único, no item que atribui à CEF a fiscalização e autorização da realização de bingos, que podem ser executados por via direta ou indireta.
(TRF 3ª Região, 4ª Turma, Rel. Des. ALDA BASTO, AI nº 2003.03.00.005163-8)”

“(…) Entretanto, a MP nº 2.049-24, de 26/10/2000, (reeditada até a MP nº 2.216, de 31/08/2001, ainda em vigor em face do art. 2º, da EC nº 11/09/2001, que dispõe que as medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que a medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional), manteve indefinidamente a eficácia suspensa apenas de parte do art. 2º da Lei 9.981/00, ao dar nova redação para o art. 59, da Lei nº 9.615/98, determinando que a exploração do jogo de bingo, (serviço público de competência da União), será executada, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal (CEF).
Deste modo, entendo que o regime originário de regulamentação do jogo do bingo continua com a sua eficácia suspensa (pois a MP nº 2.216/01 ainda continua em vigor, não tendo sido convertida em lei, rejeitada nem revogada), sendo instituído, a partir da MP nº 2.049/00, um regime público de exploração do jogo de bingo mediante a intervenção da CEF”.
(TRF 3ª Região, 6ª Turma, Rel. Des. CONSUELO YOSHIDA, AI nº 2003.03.00.024237-7, DJU 18/06/2003)

“A revogação prevista no artigo 2º da Lei nº 9.981/2000 não pode, prima facie, conduzir à conclusão que comprometa a eficácia, ainda perdurante, da MP nº 2216-37, de 31.08.2001, por diversos motivos, por exemplo: (1) o que a “Lei Maguito” revogou, efetivamente, foi o regime originário de regulamentação dos jogos de bingo, previsto na Lei n. 9.615/98; (2) mas, antes mesmo de 31.12.2001, foi instituído um novo regime, considerando a exploração dos jogos de bingo como serviço publico da União, executada direta ou indiretamente pela CEF, evitando assim, a desregulamentação da atividade, no âmbito da legislação desportiva, a que conduziria o artigo 2º da “Lei Maguito”; e (3) esta nova disciplina encontra-se ainda vigente, por força do artigo 2º da EC nº 32, de 11.09.2001”
(TRF 3ª, Região 4ª Turma, Rel. Des. CARLOS MUTA, AI n. 2002.03.00.017816-6, DJ 12/11/2002)

Por todo o quanto foi exposto, passamos a responder, objetivamente, as indagações formuladas pela Consulente :

1º) A competência para legislar sobre a exploração de bingo é privativa da União Federal?

Sim. O art. 22, inciso XX da Constituição Federal atribui competência privativa à União para legislar sobre “sistema de consórcios e sorteios”, onde se inclui os jogos de bingos. A competência privativa da União,a que faz menção a norma constitucional, significa exclusiva, não podendo os outros entes integrantes da Federação (Estados e Municípios) legislarem sobre a matéria.

2º) Haveria, na hipótese da Lei 9.981/2000 “Lei Maguito” e posteriormente da MP 168/2004, repristinação do art. 50 da lei de contravenções penais (Decreto-lei 3688/41 – ou a repristinação apenas ocorre se houver expressa menção na nova lei ou Medida Provisória?

Não.

A repristinação significa restauração do antigo, quando uma lei é revogada por outra lei, recuperando a lei antiga a sua vigência.

O § 3º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), é peremptório: A lei revogadora de outra lei não terá efeito repristinatório sobre a norma abolida a não ser que haja pronunciamento expresso da lei ou Medida Provisória a esse respeito.

A proibição da repristinação significa que a antiga lei não se revalidará pela revogação da lei posterior, uma vez que a nova lei não restitui automaticamente a vigência da lei que foi revogada.

A lei revogatória não voltará ao seu antigo vigor, a não ser que haja declaração expressa nesse sentido.

De tal forma que, se a norma revogadora deixar de existir, a revogada não se convalesce.

No caso da Consulente enquanto a Lei nº. 9.981/2000, “Lei Maguito”, que proibia jogos de bingo cumpria a “vacatio legis” e portanto, ainda não eficaz (porque pendente do advento do termo inicial: 31/12/2001, expressamente, previsto em seu art. 2º), vigorava o art. 59 da “Lei Pelé” – Lei 9.615/98, que legalizou o jogo de bingo. Antes do advento desse termo, foi editada a Medida Provisória 2049 de 25 de outubro de 2000, que preservou a vigência do art. 59 acima citado, exatamente durante o lapso temporal em que a “Lei Maguito” não lograra eficácia, eis que pendente de condições para ser aplicada, por ter sido postergada a sua eficácia para 31/12/2001.

Assim, a proibição do jogo do bingo, pela “Lei Maguito”, tornou-se sem efeito na “vacatio legis” sem condições de ser aplicada , tanto que o Decreto nº 3659, de 14 de novembro de 2000, surge para regulamentar a autorização e fiscalização de jogos de bingo.

Posteriormente, surge a Medida Provisória nº 2216-37, de 31/08/2001, que novamente alterou o art. 59 da Lei 9615/98, para determinar que a exploração de jogos de bingo, “serviço público” de competência da União, será executado direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal nos termos da lei e regulamento.

Nesse caso não poderá haver repristinação da “Lei Maguito”, (Lei 9981/2000), por ter sido revogada antes mesmo de sua eficácia. Da mesma forma ocorreu com a Medida Provisória nº 168/2004, por ter sido rejeitada pelo Senado Federal, e portanto inexistente. É como se não existisse no mundo jurídico, não produzindo nenhum efeito, em razão de sua inconstitucionalidade.

Além disso não houve disposição expressa no sentido de repristinação da norma, como exige o art. 2º da LICC.

Da mesma forma não poderá haver repristinação do art. 50 da Lei Contravenções Penais ( Decreto-lei 3688/41), que proibe jogos em lugares público, por ter sido revogado, desde a “Lei Zico” ( Lei 8672/93), que institui as atividades de exploração, de jogos de bingo em todo o território nacional. E toda a legislação em vigor não faz qualquer menção a sua repristinação.

3ª) É lícita essa atividade de exploração de jogos de bingo?

A nossa resposta é afirmativa. O reconhecimento dessa atividade como lícita foi demonstrada em diversos julgados do Supremo Tribunal Federal, que examinou a questão à luz da Constituição Federal, e que reconheceu a atribuição da competência privativa à União para legislar sobre a matéria (art. 22, XX, CF), como pela Medida Provisória nº 2216-37, em vigência, por força da EC 32/2000 (art. 2º).

Sendo competência exclusiva da União para legislar sobre a matéria, enquanto vigente a MP 2216-37, a atividade de exploração de jogos de bingo continua lícita, com natureza de serviço público.

4º) A Prefeitura Municipal de São Paulo tem competência para dizer se tal atividade é lícita ou ilícita? Ou sua atividade consiste no exercício exclusivo do poder de polícia?

Sendo competência exclusiva da União, para legislar sobre tais atividades, não pode a Municipalidade considerá-las lícitas ou ilícitas nem emitir juízo de valor sobre o mérito. Deve, portanto, obediência à lei federal (MP 2216-37), quanto a exploração de jogos de bingo.

A sua atuação consiste tão somente no exercício do poder de polícia, em obediência a legislação local de sua competência (requisitos formais).

5º) Quais os limites do poder de polícia?

O poder de polícia deve ser exercido pelo órgão administrativo competente, nos limites da lei.

O pode de polícia do Município, mediante lei, condiciona, limita, o exercício da liberdade e da propriedade, a fim de compatibilizá-las com o bem estar social. Tais atividades pressupõem a prática de atos preventivos ou repressivos, através de licenças, permissões, autorizações de funcionamento, expedição de alvarás, vistorias, etc.

Esse poder, entretanto, não autoriza a examinar o mérito da questão, sobre serem lícitas ou ilícitas as atividades de exploração de bingo, autorizadas pela lei federal, de competência exclusiva da União.

6º) Quais os limites da fiscalização Municipal sobre os estabelecimentos que exploram os jogos de bingo?

Os limites da fiscalização, são aqueles estabelecidos pela lei local. A fiscalização deve fazer vistorias para constatar se as instalações estão adequadas, vigilância, expedição de Alvarás, etc., para verificar se a lei municipal, de forma adequada, está sendo cumprida. Não poderá, porém, interditar estabelecimentos, sob alegação de ser ilícita a atividade de exploração de bingos.

Esse é o nosso entendimento, SM.J.

São Paulo, 24 de julho de 2006.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

MARILENE TALARICO MARTINS RODRIGUE

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