O drible eletrônico dos sites de apostas na lei brasileira

Apostas I 29.03.16

Por: sync

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Uma falha na defesa é tudo o que um artilheiro espera para marcar um gol. Para os mais de 400 sites internacionais de apostas de resultados de futebol em funcionamento no país, o campo da internet é amplo, incontrolável e cheio de brechas como a da zaga mais vazada de um campeonato. E é através de uma destas frestas que aproximadamente R$ 2,7 bilhões em possíveis impostos deixam de ser recolhidos de um mercado que, se fosse regularizado no Brasil, poderia movimentar a economia, dar espaço aos sites nacionais e gerar empregos.
A quantia acima é estimativa do advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Pedro Trengrouse, que também é candidato à presidência do Fluminense (ele lançou a candidatura após a reportagem ser produzida). Ao escanear a realidade de uma modalidade que ganha centenas de adeptos a cada rodada e é mencionada mais de 400 mil vezes no Google, Trengrouse chegou aos valores e descobriu a brecha que abre espaço para o drible na legislação caduca de 1941, ano do Decreto-Lei das contravenções penais, criado como medida de punição ao crescimento à época dos jogos de azar em público. Internet? Era tema de ficção científica.
— Não há regulamentação nem monitoramento dos mais de 400 sites internacionais abertos para apostas online de cidadãos do Brasil, onde o jogo é proibido. Enquanto não for monitorada, a atividade não tem mecanismos de controle. Isso significa que: se considerarmos a carga tributária de 30% sobre o valor dos prêmios pagos aos vencedores, algo em torno de R$ 9 bilhões ao ano, o Brasil perde R$ 2,7 bilhões em impostos. E considero conservadoras as estimativas — disse Trengrouse, que explica como é possível a goleada legislativa aplicada pelos sites internacionais:
— Conseguem operar por terem seus servidores sediados em outros países, nos quais o jogo é legalizado, como Costa Rica, Gibraltar, Ilhas Mann, Curaçao… Estes sites abrem uma conta-corrente no Brasil, o que é legal, para depósitos de apostas e pagamentos de prêmios. Mas a aposta só é feita quando os dados são remetidos para o servidor internacional. Na prática, a aposta é feita em solo estrangeiro. É a mesma coisa que um brasileiro usar seu cartão de crédito para apostar nos cassinos de Las Vegas e pagar a fatura depois no Brasil.
Casos de manipulação em SP
Uma oportunidade para a alteração na legislação, para torná-la mais atual, foi perdida. Pelo menos até agora. O Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut) promoveu alterações no Decreto-Lei de 1941, mas abrangeu apenas sites de apostas hospedados no Brasil ao estabelecer multas de R$ 2 mil a R$ 200 mil para quem “participar do jogo, ainda que pela internet”.
— Não há conhecimento de alguém multado. Ainda foi tentado, no Profut, uma regulamentação das apostas no Brasil. Mas apontaram no texto o Jockey Club Brasileiro como beneficiário dessas apostas e o governo vetou — disse Trengrouse.
Sem a regulamentação, fica impossível descobrir se há manipulação de resultados. Os sites internacionais abrem, a cada rodada, apostas até nas segundas e terceiras divisões de campeonatos estaduais, o que dificulta o monitoramento. Segundo o “Estado de S. Paulo” publicou em 11 de março, Reginaldo Borges, presidente da Catanduvense, da terceira divisão paulista, teria recebido oferta de R$ 50 mil para o time ser derrotado pelo Comercial de Ribeirão Preto. Já o “Diário de S. Paulo” revelou que jogadores do Barueri teriam recebido proposta para perder um jogo para o Rio Preto. A suspeita é que o resultado de 4 a 0 para o Rio Preto tenha beneficiado apostadores de um site, que pagou 19 para 1 pelo resultado. Uma aposta de US$ 10 mil pagaria US$ 190 mil.
A Federação Paulista de Futebol (FPF) contratou uma empresa da suíça para tentar evitar vendas de resultados. Trengrouse acha que é um começo, mas não é o bastante:
— Toda vez que é identificado um volume de apostas superior ao padrão em um azarão, há indício de manipulação. Se fosse atividade regulamentada e monitorada, isso seria facilmente verificável com o acesso aos dados do servidor. Dados matemáticos que indicam desvio, mas que os sites internacionais não têm obrigação de fornecer. Tivemos o caso da máfia do apito em 2005 e nada mudou.
Comissão da Câmara ainda estuda o assunto
Instalada na Câmara dos Deputados em setembro de 2015, a comissão para elaborar o marco regulatório dos jogos no Brasil ainda não concluiu qual a melhor maneira de lidar com as apostas online. O relator é o deputado Guilherme Mussi (PP/SP), que tem mais 40 dias para entregar o texto para votação na comissão e depois no plenário, antes de seguir para o Senado.
— O jogo online é mais complexo. É difícil controlar a internet. Vamos ouvir mais gente, governo, Caixa, Ministério da Fazenda, porque são bilhões de reais em investimentos. A regulamentação tem que ser clara e sem hipocrisia para gerar renda e empregos — disse Mussi.
A regularização poderia fazer com que mais sites patrocinassem clubes, como já fez a Bwin (Milan e Real Madrid) ou Bet365, 32Red, 12bet com times ingleses. No Brasil, a Winner Play patrocina o Corinthians. A empresa garante em sua página que não é um site de apostas, mas de palpites. Oferece prêmios como uma moto Harley Davidson, computadores, smartphones, televisões, bicicletas e camisas. (O Globo – Gian Amato – 27.03.16)
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