Lula: “Não legalizo a bandidagem. Vamos jogar bingo como antigamente”.

Bingo I 19.03.04

Por: sync

Compartilhe:

O Globo – Letícia Lins – RECIFE
Perseguido por manifestantes contrários ao fechamento de bingos em todo lugar público que visitou nos últimos dois dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu ontem duramente aos protestos que pedem a preservação dos empregos com a liberação das casas de jogo. Lula, que pretendia regulamentar o funcionamento dos bingos antes do escândalo Waldomiro Diniz — o ex-assessor do Planalto flagrado cobrando propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira — comparou o jogo ao crime organizado, à lavagem de dinheiro e à prostituição infantil. Em discurso durante a inauguração de uma maternidade em Recife, diante de funcionários de bingos que protestavam, afirmou:
— Não posso, em nome de alguns empregos, legalizar o crime organizado e a lavagem de dinheiro. Se fizer isso, amanhã vão pedir que eu legalize a prostituição infantil em nome da criação de empregos. Com certeza, vamos gerar empregos no país. Mas não me peçam para cometer uma ilegalidade.
O recado tinha endereço certo. Durante os dois dias que esteve em Recife, o presidente foi alvo de protestos dos trabalhadores de bingos e casas lotéricas em manifestações organizadas pela Força Sindical. Eles fizeram protestos na noite de quarta-feira na frente do Mar Hotel, na praia de Boa Viagem, onde o presidente estava hospedado. E ontem, voltaram às ruas do bairro do Ibura, onde radicalizaram.
Os funcionários de bingos xingaram Lula e rasgaram com violência uma camiseta da campanha presidencial, queimando-a em seguida. Os ânimos estavam bem acirrados quando o comandante do Batalhão de Choque da PM, tenente-coronel Luiz Meira, pediu aos manifestantes que apagassem o fogo para evitar o uso da força por parte da polícia. Líderes da Força Sindical e trabalhadores de casas lotéricas e bingos atenderam ao oficial mas continuaram gritando palavras de ordem contra o presidente.
‘Vamos jogar bingo como antigamente’. No discurso, Lula argumentou:
— É verdade que tem gente mais velha que gosta de jogar bingo. Mas vamos jogá-lo como se fazia antigamente, nas festas de família, nas das igrejas. O que não posso é legalizar a bandidagem por alguma coisa… Não vou, não vou…
Eram cerca de mil manifestantes, segundo cálculo da PM. Lula discursou num palanque montado ao lado da maternidade inaugurada ontem por ele e pelo prefeito João Paulo Lima e Silva (PT). Na véspera, tinha enfrentado protestos em Fortaleza e, ontem, depois de Recife, foi para Belo Horizonte, onde também houve manifestações. Em Recife, além de empregados de bingos foram às ruas o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, O Movimento de Mulheres Contra o Desemprego e o MTL (Movimento Terra Trabalho e Liberdade).
O presidente disse que não se intimida com o povo na rua:
— Tenho andado pelo Brasil e tenho visto o maior número de faixas que um político pode ver e acho isso uma parte importante da democracia. As pessoas querem casa, mais transporte, mais energia, mais emprego, mais salários. Isso não me incomoda. Porque fiz isso a minha vida inteira, levantando faixas contra o governo. Vejo isso com a maior naturalidade, é preciso que levantem faixas para dizer: eu existo.
Lula lembrou sua infância disse que lutou “feito cachorro magro” para andar de cabeça erguida. Disse que vai fazer tudo que sonhou mas sem perder a tranqüilidade. E que espera que o modelo que pretende implantar no Brasil não se esgote com o seu mandato:
— Minha caminhada não é só de quatro anos. Mas de quatro séculos, para que os trabalhadores brasileiros aprendam que podem governar este país por muito tempo. Governo já foi favorável à legalização.Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha feito ontem um discurso contra a legalização dos bingos, esta nem sempre foi a disposição do governo, que chegou a preparar um projeto de regulamentação do jogo. A medida provisória editada em 20 de fevereiro, que determinou o fechamento dos bingos e proibiu as máquinas de caça-níqueis no país, foi uma resposta ao escândalo provocado pela divulgação de uma fita de vídeo na qual o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil Waldomiro Diniz aparece cobrando propina do bicheiro Carlos Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
Antes disso, o governo tinha planos de legalizar esse tipo de jogo e analisava até a possibilidade de torná-lo estatal. A mensagem enviada pelo presidente Lula ao Congresso, na cerimônia de início dos trabalhos legislativos deste ano, previa a disposição do governo sobre o assunto. “A legalização prevê a obtenção e a disciplinação de fontes de recursos, como é o caso dos bingos, que permitam ao governo financiar projetos de inclusão social”, dizia o texto.
Na Casa Civil, onde estava lotado Waldomiro Diniz, havia sido instalado também um grupo de trabalho para estudar o tema e preparar uma proposta de regulamentação dos bingos no Brasil. O grupo concluiu que os bingos deveriam ser controlados pela União e operados pela Caixa Econômica Federal.
No governo, o Ministério dos Esportes sempre foi o mais interessado em resolver o problema da arrecadação de recursos para a área, e os bingos eram uma das fontes mais cogitadas. Tanto que foi enviado à Casa Civil uma proposta de projeto de lei regulamentando a atividade do bingo sob a fiscalização da Caixa. Hoje, no entanto, o ministério segue a mesma linha da MP que proibiu os bingos e busca novas fontes de renda para incentivar o esporte.
Sem-bingo, os mata-mosquitos de Lula.
Dispensados em 1999 pelo governo Fernando Henrique, os mata-mosquitos, contratados por tempo determinado para combater o mosquito da dengue na epidemia no Rio de Janeiro, transformaram a vida do candidato tucano à Presidência, José Serra, num calvário em 2002. Bastava o tucano chegar ao Rio para que os mata-mosquitos o perseguissem por todos os lugares.
Por isso, os empregados de bingo que deverão ser atingidos pela medida provisória que determina o fim do jogo no país já estão sendo chamados de os mata-mosquitos de Lula. O presidente reintegrou os 5.792 mata-mosquitos ao serviço público em abril do ano passado, apesar de não haver mais epidemia de dengue no Rio.
Desde que assinou a MP, Lula vem sendo perseguido pelos trabalhadores demitidos dos bingos. Ao contrário dos mata-mosquitos, porém, os sem-bingos estão em todo o Brasil. Pior: em Recife a eles se uniram sem-teto, sem-terra, estudantes e militantes da Força Sindical, presidida por Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, pré-candidato a prefeito de São Paulo contra Marta Suplicy (PT).
Ontem, na inauguração de uma maternidade em Recife, os manifestantes postaram-se diante do palanque de Lula com faixas e cartazes contra o fechamento dos bingos, o PT e o governo. E queimaram camisa do PT.
Em Belo Horizonte, também ontem, os sem-bingo uniram-se aos sem-terra, à Força Sindical e a estudantes e puseram faixas no centro da capital criticando o governo: “Companheiro, o espetáculo é do desemprego?” ou ainda: “Lula vai, Lula vem e não fez nada para ninguém”. Na terça-feira, no Rio, o presidente precisou usar a porta dos fundos do Hotel Copacabana Palace para se encontrar com seu colega argentino Néstor Kirchner porque policiais federais em greve juntaram-se aos sem-bingo numa ruidosa manifestação.

Comentar com o Facebook