Loucura: milhões de dólares chineses no pano verde em Las Vegas

Cassino I 15.04.02

Por: sync

Compartilhe:

PEQUIM – Um mês antes de ser preso quando tentava fugir para a Sibéria, Liu Yong, um dos gângsteres mais infames da China moderna, fez uma viagem menos agitada – para Las Vegas. Durante sua permanência ali em junho de 2000, acredita-se que Liu, cujo emprego era o de vereador, tenha perdido vários milhões de dólares jogando bacará no MGM Grand Hotel, informaram fontes do ramo.
Liu, agora numa prisão chinesa por ser o mandante de 30 a 40 homicídios e embolsar indevidamente o equivalente a milhões de dólares, é só um dos muitos aventureiros que o boom econômico da China produziu. Nos últimos anos, ricos funcionários do governo chinês, empresários, agenciadores de apostas e gângsteres estão tomando a via dourada dos cassinos de Las Vegas, perdendo enormes somas de dinheiro, grande parte das quais não lhes pertence.
Suas proezas combinam os excessos à moda capitalista dos ricos e famosos com a vilania pós-comunista, e Las Vegas brilha com a antiga fascinação da China pelo jogo, enquanto reflete a irresistível corrupção chinesa e o inédito crescimento econômico do país.
Executivos do ramo informam que grandes jogadores da China podem tornar-se o segmento de mercado de mais rápida expansão entre os asiáticos que fazem altas apostas, ultrapassando os de Hong Kong, Taiwan e Japão. Embora o número de turistas japoneses que visitam Las Vegas ainda seja dez vezes maior que o de chineses, o aumento do número de grandes apostadores procedentes da China e os montantes que eles estão dispostos a jogar impressionam a indústria do jogo de Las Vegas.
Tendo iniciado atividades vários anos atrás, o MGM Grand, o Harrah’s, o Venetian, o Caesars Palace e o Stratosphere, entre outros, abriram escritórios na China ou começaram a despachar representantes para o país a fim de organizar grupos de jogadores que apostam alto. Cassinos da Coréia do Sul, Filipinas, Austrália e Coréia do Norte seguiram o exemplo.
“Asiáticos são o único segmento em expansão no mercado de cassinos”, disse Bill Chu, diretor de marketing regional do Harrah’s Las Vegas para a Ásia.
“E os chineses são as únicas pessoas na Ásia que têm dinheiro. Hong Kong secou. Taiwan secou. Esqueça o Japão. Tailândia é coisa passada.”
Companhias americanas também disputaram a chance de abrir cassinos em Macau este ano. Mas muitos “tubarões” chineses, conforme são chamados no ramo, não gostam do pobre ex-território português devolvido ao controle chinês em 1999. Um motivo é que agentes da segurança estatal percorrem os salões de jogo filmando ricaços. Um deles, Ma Ziangdong, vice-prefeito da cidade de Shenyang, nordeste da China, foi executado no ano passado depois de aparecer num videoteipe. Ele havia perdido US$ 4 milhões de dinheiro público em 17 viagens a Macau.
Em Las Vegas, as perdas sofridas por chineses têm sido extraordinárias, rivalizando com as de jogadores de Hong Kong e Taiwan em meados da década de 70. Alguns jogadores chineses perderam US$ 10 milhões e não podem voltar para seu país, receando ter de explicar a origem do dinheiro. Uma empresária chinesa, conhecida como “rainha da sucata”, natural da cidade de Dalian, nordeste do país, perdeu US$ 20 milhões em dez meses no ano passado, informaram executivos do jogo. Ela não pode voltar aos Estados Unidos por causa de suas dívidas. Na virada do ano-novo chinês, vários jogadores chineses torraram US$ 20 milhões numa só noite nas mesas de bacará, numa das dependências do MGM, informou uma fonte do ramo.
Um porta-voz do MGM Grand, Alan Feldman, negou-se a comentar seus negócios na China. Mas Chu disse que o Harrah’s tem agentes em cinco cidades chinesas e está abrindo um escritório em Pequim agora em abril para dar suporte aos pedidos de visto de seus hóspedes. O MGM tem dois escritórios de representação na China e assistentes em regime de meio período desencavando grandes apostadores. Chu calcula que com sorte pode atrair de 100 a 500 jogadores chineses por mês, que apostam na faixa dos US$ 30 mil a US$ 100 mil. “Some-os e verá que é um bocado de dinheiro”, disse.
Um problema que inibe o boom é a rígida política de vistos dos consulados americanos na China. Chu disse que só 20% dos hóspedes em potencial do Harrah’s conseguem vistos dos EUA. O MGM sai-se melhor, com algo em torno de 50%, disseram executivos do ramo. Os consulados exigem prova documental dos recursos financeiros do hóspede e querem saber de onde veio o dinheiro.
“Nosso governo informa que, se eles não mostraram a origem do dinheiro, não viajam”, disse Chu. “Bem, no que me toca, vamos pôr o dólar no círculo e fazer negócio. Nenhuma dessas pessoas quer dizer como conseguiu seu dinheiro. Elas são ricas, isso é tudo o que importa!”
Mas funcionários americanos dizem que grande parte do dinheiro apostado por chineses nas mesas de Las Vegas é sujo – desviado do governo chinês ou de empresas estatais, ou ganho ilegalmente, em sua maior parte por meio de contrabando. Evidências que apóiam esta afirmação vêm da imprensa estatal da China, que nos últimos meses descreveu funcionários do governo e representantes de empresas estatais esbanjando dinheiro governamental em antros do jogo no estrangeiro.
Em fevereiro, a agência oficial de notícias Nova China informou que Jin Jianpei, gerente de uma companhia com matriz em Hong Kong, natural da província de Hubei, fez apostas freqüentes de US$ 1 milhão em cassinos de Macau numa orgia de dois anos que culminou com Jin perdendo US$ 20 milhões em fundos governamentais. A aposta média de Xie Heting, gerente da Guandong Province Food Co., era de US$ 100 mil, noticiou a agência, e Zhou Changqing, o chefe de uma companhia de equipamentos telefônicos em Xian, torrava US$ 130 mil de cada vez. A China executou os três por corrupção.
Calcula-se que jogadores chineses perderam US$ 259 milhões no ano passado em Macau, segundo relatório feito para um cassino americano interessado em ter negócios ali. No início deste ano, dois dos nomes mais importantes no ramo do jogo nos EUA obtiveram licenças para operar lá. As licenças, concedidas a Sheldon Adelson e Steve Wynn, acabaram com o monopólio exercido pelo bilionário Stanley Ho.
No seu empenho de chegar a Las Vegas, muitos chineses encontram meios de contornar os funcionários americanos encarregados de conceder vistos – fundam companhias de fachada e apresentam documentos forjados para ocultar a origem de seu dinheiro mal adquirido. Chu disse que dois funcionários encarregados de vistos num consulado americano permitem com freqüência que dois dos clientes dele, um agenciador de apostas e sua mulher, viajem para os EUA.
“A última vez que ele esteve aqui, perguntou-me: ‘Como estabeleço ligações para poder agenciar jogos da NBA (Associação Nacional de Basquete)?'”, contou Chu. “Você pode imaginar? Não pude acreditar que ele conseguisse um visto.”
Outro funcionário da indústria do jogo contou que seus clientes, que perderam US$ 3 milhões no ano passado, eram todos empresários do setor privado, mas haviam ganhado seu dinheiro contrabandeando. “Eles simplesmente escondem sua riqueza”, disse. “Os americanos ficam basicamente de olho para identificar alguém que obviamente seja funcionário do governo, pois não há um meio de explicarem (sua) riqueza. Em sua maioria os clientes pertencentes ao setor privado conseguem (vistos) se forem espertos.”
A China também exerce rígido controle sobre a exportação de moeda forte. A legislação chinesa diz que viajantes podem levar só US$ 2 mil para o estrangeiro. Portanto jogadores fazem remessas furtivas de dinheiro. Às vezes lavam fundos no estrangeiro por meio do sistema bancário clandestino baseado em Hong Kong. Às vezes subornam funcionários alfandegários chineses e levam dinheiro diretamente para o avião.
Em Shenyang, grande centro de jogadores de altas apostas, viajantes pagam a funcionários da alfândega US$ 1.250 para ter o direito de colocar no avião malas que contêm dólares, disseram executivos do ramo do jogo.
Chineses jogam há séculos. Atribui-se ao filósofo taoísta da China, Lao Tzu, a invenção de um jogo de azar, e registros chineses sobre aposta em jogos de dados e xadrez chinês remontam ao período dos Estados Guerreiros, por volta de 300 antes de Cristo.
Nos anos 30, Xangai era o local dos maiores antros de jogo do mundo. Os comunistas da China proibiram jogos de azar, junto à prostituição, depois de sua revolução em 1949. Ambos voltaram com desenvoltura no final dos anos 80.
Hoje em dia, os grandes apostadores da China preferem o bacará, jogo francês em que as cartas do vencedor somadas mais se aproximam do nove. Em chinês o jogo é baijiale, ou felicidade dos mil lares.
Chineses começaram a convergir para Las Vegas na década de 80, em equipes de “pesquisa” organizadas pelo governo chinês. Em meados da década de 90, cada grupo de funcionários chineses com destino aos EUA queria ter Las Vegas no itinerário. A justificativa beirava o fantástico. Um documento do Partido Comunista informou que estudar em Las Vegas era bom para quadros comunistas porque podiam aprender como uma área pobre no deserto enriqueceu.
Fontes da indústria do jogo disseram que jogadores chineses exibem algumas características. Uma é o tamanho de suas apostas. Outra, a capacidade de jogar sem dormir.
“É realmente assombroso”, disse Robert Goodman, que dirige uma firma chamada Great Harvest, especializada em ajudar jogadores chineses a obter vistos de entrada nos EUA. “Os jogadores ficam no recinto durante três dias e três noites, nunca saem. Eles não sabem que horas são, que dia é. Ficam ali comendo macarrão instantâneo, indo de uma mesa de bacará para outra, apostando tudo.”
The Washington Post – John Pomfret – Estado de S. Paulo

Comentar com o Facebook