ABRABIN — A conformação jurídica do jogo de bingo na atualidade

Bingo I 09.09.05

Por: sync

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O leitor afeito à vida empresarial do jogo de bingo já deve intuir que o título deste artigo refere-se à situação normativa em que se posta a atividade do jogo de bingo desde o alvorecer de 1º de janeiro deste ano com a consumação do prazo previsto ela Lei Maguito (Lei Federal nº 9.981, de 14 de julho de 2000), em seu art. 2º, para que se operasse a revogação ali prescrita dos arts. 59 a 81 da Lei Pelé (Lei Federal nº 9.615, de 24 de março de 1998).
Esses artigos, como se sabe, tratavam justamente do regramento jurídico do jogo de bingo. A resposta, ainda que breve, não prescinde de um sintético histórico na normação produzida para o setor em nosso país.
A atividade de jogos de bingo inicialmente entre nós encontrava-se proibida sob a classificação de contravenção penal, porquanto inserida dentro da vedação genérica aos jogos de azar, consoante a Lei de Contravenções Penais, art. 50, que data da era getulista. Essa disposição, frise-se, proíbe genericamente a prática de jogos de azar, não se referindo especialmente aos jogos de bingo. Posteriormente, em 6 de julho de 1993, veio a lume a Lei nº 8.672, apelidada de Lei Zico, que, por seu art. 57, permitiu às entidades de direção e prática desportiva a realização de "sorteios de modalidade denominada bingo" ou similar.
A seguir, em 24 de março de 1998, a Lei nº 9.615, apelidada Lei Pelé, por seus arts. 59 e ss., manteve institucionalização dos "jogos de bingo", habilitando para tanto as entidades da administração e de prática desportiva, que, para a exploração do setor, encontravam-se condicionadas à obtenção de autorização junto à União Federal. Essas autorizações teriam, a teor dos termos originais do art. 60, § 5º, daquela Lei, vigência de doze meses.
Depois, a Lei nº 9.981, de 14 de julho de 2000, denominada Lei Maguito, por seu art. 2º revogou – com "vacatio legis" (a expressão refere-se ao período de tempo compreendido entre a publicação da lei e sua entrada em vigor) a se findar em 31 de dezembro do ano corrente – os arts. 59 a 81 da Lei Pelé: justamente, pois, as disposições que regravam a exploração de jogos de bingo pelas entidades previstas naquela Lei.
Atualmente, o art. 17 da Medida Provisória nº 2.216-37 (reedição e condensação de várias medidas anteriores), alterando o texto do art. 59 da Lei nº 9.615/98, torna a atividade de jogos de bingo "serviço público de competência da União". Por força do art. 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, a Medida Provisória em apreço permanecerá em vigor "até que medida provisória anterior a revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional".
Essa Medida Provisória não faz referência à Lei nº 9.981/00 e à revogação dos arts. 59 a 81 da Lei Pelé, determinada com – vacatio legis – finda em 31 de dezembro do ano passado. A MP, ao menos em sua literalidade, apenas altera o texto do art. 59 da Lei Pelé, nada dispondo sobre sua eventual ultravida após 31 de dezembro próximo.
A partir desses dados, duas ordens de resposta à indagação deste artigo podem ser construídas, encontrando a segunda, inegavelmente, melhor fundamento jurídico. A primeira delas pode ser ofertada pelo raciocínio que defenda ter a MP nº 2.216-37 (isto desde as antecessoras que traziam disposição similar), ao alterar o texto do art. 59 da Lei nº 9.615/98 e instituir um regime de serviço público para a atividade de exploração de jogos de bingo, revogado implicitamente a prescrição da Lei Maguito, art.2º.
Poder – se – ia a princípio sustentar esse pensamento, constatando eventual incompatibilidade pela lógica do razoável entre a MP nº 2.216-37, art. 17, e a Lei Maguito, art. 2º, e daí a prevalência da primeira pelo critério da posteridade (norma posterior revoga as anteriores com as quais se incompatibilize explícita ou implicitamente).
Essa solução, nada obstante sua racionalidade, desaguaria em resposta que apresenta regime jurídico (de serviço público) para a exploração de jogos de bingo prenhe de inconstitucionalidades, razão bastante para abandoná-la.
Uma segunda linha de pensamento apresenta solução mais conformada com a constitucionalidade. Afastado o regime de serviço público da atividade de jogos de bingo, pretensamente previsto na MP nº 2.216-37, art. 17, devido às patentes inconstitucionalidades aí implicadas, a revogação dos arts. 59 a 81 da Lei nº 9.615/98 pela Lei nº 9.981/00, art. 2º, redunda numa situação de desregulamentação legal da atividade de jogos de bingo.
Vale dizer: a partir de 1º de janeiro de 2002, inexiste qualquer disposição legal ou com eficácia de lei regulando a atividade de jogos de bingo. Em face disso, poder – se – ia imaginar o retorno à situação normativa de ilicitude, ou, mais especificamente, de contravenção? Certamente que não, pois a qualificação legal da atividade de jogos de bingo como contravenção encontra-se revogada desde a edição da Lei Zico (que institucionalizou o setor). É dizer: o art. 50 da Lei de Contravenções Penais, desde a Lei Zico, encontra-se especificamente revogado quanto aos jogos de bingo.
Ora, uma vez especificamente revogado o art. 50 da Lei de Contravenções Penais quanto aos jogos de bingo, não lhe recobra o vigor a revogação da Lei Zico pela Lei Pelé, nem a revogação das disposições desta, concernentes ao tema, pela Lei Maguito, porquanto, segundo comezinho princípio de nosso ordenamento, o chamado efeito repristinatório (revigoramento de uma norma anteriormente revogada) depende de explícita disposição legal que o determine (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 2º, § 3º) e é certo que a Lei Maguito não explicitou qualquer prescrição no sentido de revigoramento da Lei de Contravenções Penais, art. 50, quanto aos jogos de bingo. Rechaçada a incidência do art. 50 da Lei de Contravenções Penais sobre os jogos de bingo e mantida a atual legislação (Lei Maguito), a inexistência de regramento legal sobre o setor desde 1º de janeiro de 2002 enseja a incidência direta e solitária das disposições constitucionais referentes à Ordem Econômica.
Dentre elas, especialmente o art. 170, parágrafo único, que assegura como regra a liberdade de iniciativa econômica e requer a expressa previsão legal para qualquer condicionamento daquela liberdade. Em vista disso, parece um tanto tranqüilo concluir que a atividade de jogos de bingo, inserindo – se dentre as atividades lícitas (porquanto a ilicitude depende de previsão legal obviamente em vigor), configura atividade econômica aberta à livre iniciativa e, dada a inexistência de lei sobre o assunto, estão livres os agentes econômicos para explorá-la sem necessidade de prévia autorização estatal.
É certo que isso poderá sempre ser revertido por novel lei ou norma com similar eficácia. Mas, sem isso, vale a liberdade de iniciativa com a amplitude positivada na CF, art. 170, parágrafo único.
Sublinhe – se ainda que, nada obstante a Lei Maguito prever, em seu art. 2º, o respeito às autorizações em vigor, como estas pelos termos da Lei Pelé teriam vigência de apenas doze meses, o fato de seu término não significaria de forma alguma a impossibilidade da exploração da atividade de jogos de bingo pelos agentes privados, mas, sim, a liberdade para que os mesmos a explorem sem estar condicionados à obtenção de autorização, porquanto inexiste, após 31 de dezembro de 2001 ou desde 1º de janeiro de 2002, lei ou norma de eficácia similar que, respeitando a Constituição, preveja referida restrição à liberdade empresarial.
Por José Roberto Manesco e Fábio Barbalho Leite Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advocacia

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