Jogo: “A hipocrisia é a homenagem que a corrupção paga à probidade.” (La Rochefoucauld)

Opinião I 18.08.04

Por: sync

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Eu não "se" dou bem com jogo, como diria o folclórico retireiro do sítio de um amigo em Macacos. Querem saber mais? Sinto total desconforto no interior de um cassino, ou de qualquer outro ambiente enfumaçado e enregelante onde baralhos, cartelas, roletas, dados e fichas exerçam poder de sedução pra cima da fervorosa legião dos aficcionados em apostas. E olhem que na única vez na vida em que resolvi introduzir uma moeda na greta de um caça-níqueis, para agradável surpresa, o aparelho descarregou todo o conteúdo! Foi num cassino em Katmandu, Nepal. Recolhi a bolada e me mandei, indiferente às ponderações à volta de que a sorte estava soprando forte a meu favor. Digo mais: acho extremamente tediosa, como passatempo, uma simples e inofensiva mão de buraco no recesso doméstico. Essa idiossincrasia, ou que outro nome se aplique ao fato de não ser ligado em jogo de azar não me rouba, contudo, o ânimo de arriscar, vez por outra, uma fezinha na mega-sena acumulada. Bem entendido, desde que a fila não seja extensa.

Esclarecida esta posição, confesso, em lisa verdade, considerar inócuo, desprovido de senso, o alardeado propósito governamental de não regulamentar algumas modalidades de apostas. Tenho para comigo que esses propósitos, volta e meia reiterados, mesmo quando inspirados em reta intenção, outra coisa não fazem senão estender uma ampla cortina de fumaça diante de uma realidade inocultável que a hipocrisia social teima em não reconhecer. Dizer que no Brasil o jogo é proibido, como se garante, em tom solene, há decênios, é deixar que se propague com mórbidos intuitos uma deslavada mentira. Ou se preferirem, uma lorota boa, como diz conhecido estribilho musical.

Se o que existe no país inteiro não deve ser pudica e oficialmente classificado como jogo, que nome dar-se então às centenas de versões de jogos bancados, semanalmente, pelas Loterias, instituições beneficentes, clubes recreativos e, até recentemente ainda, por agremiações esportivas engajadas no rendoso negócio do bingo? Com o célebre "jogo do bicho" acontece algo, pra dizer o mínimo, desconcertante. Ele é proibido, garante-se solenemente, com a mão no Código de Contravenções e uma piscadela marota de olho. Mas é fácil, mesmo para não apostadores, apontar-se, sem vacilações, os milhares de pontos espalhados por toda a vastidão territorial brasileira onde os palpites são religiosamente recolhidos duas ou até três vezes por dia. O "bicho" é um dos vários jogos operados em larga escala, não regulamentados, sabe-se lá por quais insondáveis razões… A situação dos cassinos é idêntica. Funcionam com amplo, geral e irrestrito conhecimento comunitário, em muitos locais de afluência turística. O mesmo ocorre com o chamado carteado de aposta alta. É proibido, mas não deixa de ser atração em clubes grã-finos. Como nas duas outras versões de jogo, nenhuma receita, sob forma de taxas, entretanto, carreia… para o erário público.

Dentro de um contexto desses, quer me parecer destituída de sentido essa obsessiva implicância quanto aos bingos. O bom senso aconselha que, libertos de suas presumíveis mazelas de origem, sejam eles devidamente regulamentados. Postos a funcionar sob a égide de um órgão confiável. Além da garantia de empregos, poderão absorver recursos a serem convertidos em iniciativas de conteúdo social. O país clama muito por essas duas coisas: empregos e realizações sociais.

(*) CESAR VANUCCI, jornalista, advogado.

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