Investimento ótimo para o banco

Destaque I 31.07.17

Por: sync

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Ney Brito e Pedro Trengrouse*

No mundo inteiro se diz que quem ganha com o jogo é a banca. No Brasil é diferente, quem ganha é o banco.

Em 2016, as loterias arrecadaram R$ 12,8 bilhões, pagaram R$ 4,3 bilhões em prêmios e repassaram R$ 6,1 bilhões para a Secretaria do Tesouro Nacional, Fundo de Financiamento Estudantil, Fundo Nacional da Cultura, Fundo Penitenciário Nacional, Fundo Nacional de Saúde, Cruz Vermelha Brasileira, Federação Nacional das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais, Ministério do Esporte, Comitê Olímpico Brasileiro, Comitê Paralímpico Brasileiro, Comitê Brasileiro de Clubes, Confederação Nacional de Clubes e clubes de futebol.

A arrecadação dos títulos de capitalização foi 67% maior, chegando a R$ 21,4 bilhões, pagando apenas R$ 1 bilhão em prêmios e gerando lucro líquido de R$ 1,8 bilhão para 17 empresas, autorizadas pela Superintendência de Seguros Privados e ligadas a bancos: Aplicap, Aplub, Bradesco, Brasilcap, Caixa, Capemisa, Cardif, Itaú, Icatu, Invest, Kirton, Liderança, Mapfre, Porto Seguro, Santander, SulAmérica e Zurich Brasil.

Concorrência desleal. As loterias precisam de autorização legislativa, fazem repasses sociais, pagam mais prêmios e são vendidas, passivamente, em apenas 14 mil casas lotéricas. Os títulos de capitalização são oferecidos, ativa e insistentemente, em mais de 23 mil agências e quase 40 mil postos bancários, pagam menos prêmios, não fazem nenhum repasse social e passam por cima da Portaria nº 41/08 do Ministério da Fazenda, que dispõe no parágrafo 1º do artigo 20 que operações vinculadas a títulos de capitalização requerem autorização nos termos da Lei nº 5.768/71 e do Decreto nº 70.951/72.

Os bancos dizem que o título de capitalização é um bom investimento. Realmente é, para o banco. O sorteio embutido é utilizado pela máquina de vendas dos bancos como uma cenoura adicional a um bom investimento, muitas vezes vendido em operações casadas, omitindo-se a possibilidade de perdas expressivas com a interrupção dos pagamentos e resgates antecipados, atingindo principalmente pequenos poupadores. Em 2016, os ganhos dos bancos com estes resgates e redução de exigibilidades atingiram R$ 250 milhões.

A oferta de loteria travestida em títulos de capitalização é um atentado contra a economia popular, canibaliza o mercado lotérico nacional e ocorre sem o devido controle em razão da legislação antiga, obsoleta e confusa do setor. Se o cliente investir o mesmo montante, comprando ele mesmo bilhetes da Loteria Federal e depositando o restante na caderneta de poupança, terá melhor rentabilidade, liquidez e, no mínimo, as mesmas chances de ser premiado.

O jogo no Brasil tem finalidade social, e os títulos de capitalização precisam ser devidamente enquadrados. Nesse contexto em que o Brasil precisa retomar o crescimento econômico, a revisão do marco regulatório de jogos e sorteios no Brasil se faz ainda mais importante para o arranjo produtivo e a distribuição de renda nacional.

(*) Ney Brito é professor da UFRJ, e Pedro Trengrouse, professor da FGV. O artigo acima foi veiculado na edição do O Globo deste domingo (30.07.2017).

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