EUA – O país da jogatina

Cassino I 10.06.02

Por: sync

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Até meados da década de 80, Council Bluffs era apenas mais uma cidade desconhecida no Estado de Iowa, nos Estados Unidos. Sem maiores atrativos, sobrevivia em meio à economia agrícola do Meio-Oeste americano. Hoje, graças aos três cassinos que lá operam, o município transformou-se em motivo de orgulho para os 58.000 habitantes. Recebeu 10 milhões de visitantes no ano passado, mais que o número de turistas que passaram pelo Rio de Janeiro. O exemplo de Council Bluffs dá uma idéia de como a febre da jogatina contaminou os Estados Unidos. Calcula-se que 125 milhões de americanos gastem 60 bilhões de dólares por ano arriscando a sorte em algum tipo de jogo – em cassinos, loterias, máquinas caça-níqueis, corridas de cavalos ou de cães. O fenômeno é recente. Até 1980, essa indústria movimentava 1 bilhão de dólares anualmente e oferecia poucas alternativas. Os cassinos, locais preferidos dos apostadores, só podiam operar em Atlantic City, a 150 quilômetros de Nova York, e no deserto do Estado de Nevada, a cinco horas de carro de Los Angeles. Hoje, existem 800 cassinos em 28 Estados, o que gera faturamento anual de 36 bilhões de dólares. O jogo é legal em 47 dos cinqüenta Estados americanos. Essa dinheirama se transformou em uma forma rápida e segura de diversificar a economia e gerar empregos em cidades outrora sonolentas.
A virada teve início com uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1987, que permitiu a abertura de cassinos em reservas indígenas, visto que as tribos usufruem certa autonomia legal. Depois, alguns Estados autorizaram o funcionamento de cassinos flutuantes. Foi a senha para a multiplicação das casas de jogo nos lugares mais remotos. Os aborígines aproveitaram o filão e hoje controlam cerca de 200 cassinos, na maioria localizados fora das áreas urbanas e administrados pelas próprias comunidades. Não têm o glamour dos megacassinos de Las Vegas ou de Atlantic City, mas movimentam 10 bilhões de dólares por ano. Boa parte do público é composta de moradores de cidades próximas. O mercado é de tal modo promissor que não demoraram a surgir indígenas tão falsos quanto os de Hollywood. Pela lei, qualquer família pode pleitear o reconhecimento oficial como tribo e abrir um cassino – basta que exista laço histórico ou genealógico distante com um dos grupos indígenas americanos. Hoje, 175 comunidades aguardam o aval do governo para entrar no negócio.
O jogo foi a tábua de salvação dos nativos, pois as reservas são enclaves de pobreza no país mais rico do mundo, com altos índices de desemprego e alcoolismo. É claro que na maioria das reservas quem encheu os bolsos foram os caciques, mas o dinheiro também serviu para construir boas casas e enviar jovens à universidade. Muitos desses cassinos foram construídos em sociedade com empresários do setor de jogo. O Foxwoods Resort Casino, o maior complexo do mundo no gênero, é fruto de uma parceria da tribo Mashantucket Pequot com o magnata sul-africano Sol Kerzner. Localizado a duas horas de carro de Nova York, o Foxwoods tem três hotéis, trinta restaurantes, teatro, centro de convenções e 12.000 funcionários. São centenas de mesas de jogo e 6.400 máquinas caça-níqueis à disposição dos apostadores. A poucos quilômetros de distância, os habitantes da reserva de Mohegan Sun administram, também com o magnata sul-africano, outro complexo gigantesco. Além de um cassino luxuoso, Mohegan Sun conta com hotel, shopping center, restaurantes e uma atração à parte para quem não joga – o maior planetário do mundo, com capacidade para 10.000 pessoas. Foxwoods e Mohegan Sun movimentam juntos 2 bilhões de dólares por ano em apostas, mais que a soma do que arrecadam os dez maiores cassinos de Atlantic City.
Em várias regiões, a chegada de um cassino abriu caminho para a construção de hotéis, casas de espetáculos e até spas, que oferecem massagens para acalmar os freqüentadores nervosos. Em seis Estados do Meio-Oeste, a entrada em operação de 86 salões de jogo nos últimos dez anos preencheu o vazio deixado pela diminuição da atividade agrícola e pelo fechamento de indústrias. Os cassinos da região empregam 56.000 pessoas e apenas no ano passado pagaram 1,8 bilhão em impostos, dinheiro revertido para os municípios em que estão instalados. Até os anos 70, o jogo era uma atividade de gente pouco respeitável, suspeita de pertencer à Máfia. Hoje, ao contrário, os apreciadíssimos fundos de pensão são os grandes investidores. Os cassinos são considerados um negócio como qualquer outro do show business, só que mais seguro e rentável: o retorno anual do capital aplicado é de 17%. Os investidores não temem a saturação do mercado, pois ainda existem várias regiões a ser exploradas e uma multidão inesgotável de apostadores. O americano gasta, em média, 200 dólares por visita a uma casa de jogo, e o passatempo preferido é o caça-níqueis.
A corrida do ouro pela abertura de cassinos é a mesma nas regiões ricas. Dois mercados em potencial chamam a atenção dos investidores: os Estados da Califórnia e de Nova York. Na Califórnia, as 46 tribos que operam salões de jogo movimentam 5 bilhões de dólares por ano, o equivalente a 35% do que é arrecadado nos estabelecimentos do vizinho Estado de Nevada – onde está Las Vegas, a meca dos apostadores de todo o mundo. Os empresários de Nevada estão preocupados com a expansão do jogo na Califórnia, de onde vem parte dos freqüentadores de suas casas. A mesma dor de cabeça atormenta os donos de cassinos de Atlantic City desde que Nova York autorizou a abertura de seis estabelecimentos em reservas indígenas. O fato é que parece haver público para sustentar uma quantidade ainda maior de salões de apostas. A febre nacional atinge até os soldados americanos que servem no exterior. Eles torram 1 bilhão de dólares por ano nas 7.000 máquinas caça-níqueis e de videopôquer instaladas em 94 bases militares americanas espalhadas pelo mundo. A atividade gera um lucro anual de 125 milhões de dólares para os cofres do Pentágono. No país da jogatina, até o governo ataca de crupiê.
200 dos 800 cassinos existentes nos Estados Unidos pertencem a tribos indígenas, que faturam 10 bilhões de dólares por ano
Os americanos deixam 36 bilhões de dólares por ano em cassinos
No total, os americanos gastam 60 bilhões de dólares por ano em apostas. Em 1980, era apenas 1 bilhão de dólares
Veja – José Eduardo Barella

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