Comportamento – As histórias de quem venceu o jogo.

Jogo Responsável I 26.01.04

Por: sync

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"Devo ter deixado uns três carrinhos populares lá dentro", lamenta a funcionária pública aposentada Luciana de Lima, 53 anos, que há dois anos e cinco meses luta contra o desejo de apostar em videoloterias de bingos. Ela fundou o grupo Vida Nova Jogadores Anônimos de Florianópolis, que completou dois anos no início de janeiro.
A história de Luciana é semelhante à de tantas outras pessoas que se tornaram dependentes dos jogos eletrônicos e que perderam o controle da própria vida, do patrimônio, da família e da saúde.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica a doença como transtorno de impulso. "É o meio do caminho entre a compulsão e a dependência química", explica o médico psiquiatra Marcos Zaleski. O jogador patológico, segundo o especialista, não consegue parar como as pessoas comuns. A ansiedade só é aliviada com o ato de jogar novamente.
O comportamento é semelhante ao do usuário de drogas. O apostador sente necessidade de jogar todo dia, a todo momento. "A videoloteria está para o jogo como o crack está para as drogas", diz Zaleski, que teve pacientes que ficaram 36 horas jogando até serem retirados pela família. O apostador compulsivo não vê o tempo passar nas casas de jogos. Não sabe se é dia ou noite.
Mais mulheres entram para o círculo vicioso
A cada três apostadores doentes dois são mulheres com mais de 40 anos. Pessoas solitárias e com bons recursos financeiros que começaram brincando com as cartelas nos bingos e depois passaram a jogar nas máquinas. "Os homens, até então com estabilidade financeira, são maiores de 30 anos. De 100 apostadores, cinco eram jogadores patológicos", explica o psiquiatra.
A videoloteria ou caça-níquel, como é conhecida a máquina, gera um potencial de dependência maior, pois é possível apostar várias vezes em poucos minutos. Quando o apostador ganha, ele tem a sensação de euforia, mas o jogo estabelece uma tolerância. Se a conquista foi de R$ 500, o apostador já está pensando em R$1 mil.
Para o presidente da Sociedade Catarinense de Psiquiatria, João Ernani Leal, o apostador, quando perde, pensa estar com azar. Depois de perder tudo ele diz "hoje não é o meu dia", explica Leal. Mas no dia seguinte ele volta e na primeira vitória sobre a máquina vem o sentimento de que "hoje é o meu dia de sorte", completa.
Saiba mais
"Perdi moral, saúde e dignidade"
Roberto*, 40 anos, perdeu praticamente tudo o que conquistou na vida e ainda ficou endividado.
Há 15 anos começou a jogar videopôquer em cassinos clandestinos de São Paulo e depois, com a lei dos bingos, passou a jogar em videoloterias. O empresário, que mora há quatro anos em Florianópolis, apostou em máquinas eletrônicas por uma década. Quando sentiu que não tinha mais controle e gastava demais, buscou ajuda.
Roberto via na máquina uma possibilidade de ganhar dinheiro fácil. "Tinha a ilusão que ganharia dinheiro com aposta." Ele ficou cada vez mais endividado e não conseguia parar, pois pensava que, com o jogo, recuperaria o investimento gasto e pagaria as contas já atrasadas. Ele ficou 30 dias internado e não joga há 60 dias.
"Roubei cheques do meu filho"
A pensionista Catarina*, de 57 anos, após a separação do marido passou a procurar distração e divertimento.
Primeiro foram bares e festas e depois as videoloterias dos bingos. Mãe de quatro filhos, tinha problemas em casa e quando jogava ficava "anestesiada". Ela conta que no ambiente fechado dos bingos não via o tempo passar e acabava ficando cada vez mais jogando e, a cada diz, com menos dinheiro. Mentia para os familiares. Penhorou as jóias para saciar o vício. Os filhos perceberam a dependência da mãe nas máquinas eletrônicas e a internaram. "No 15º dia no hospital me conscientizei que estava doente e precisava de ajuda". Catarina está a três anos e quatro meses em tratamento.
Faça o teste
1. Você já perdeu horas de trabalho ou da escola devido ao jogo?
2. Alguma vez o jogo já causou infelicidade na sua vida familiar?
3. O jogo afetou a sua reputação?
4. Você já sentiu remorso após jogar?
5. Alguma vez você já jogou para obter dinheiro para pagar dívidas ou então resolver dificuldades financeiras?
6. O jogo causou uma diminuição na sua ambição ou eficiência?
7. Após ter perdido, você se sentiu como se necessitasse voltar o mais cedo possível e recuperar as suas perdas?
8. Após um ganho você sentiu uma forte vontade de voltar e ganhar mais?
9. Você geralmente jogava até que seu último centavo acabasse?
10. Você já pediu dinheiro emprestado para financiar seu jogo?
11. Alguma vez você já vendeu alguma coisa para financiar o jogo?
12. Você relutava em usar o "dinheiro de jogo" para as despesas normais?
13. O jogo o tornou descuidado com o seu bem-estar e o de sua família?
14. Alguma vez você já jogou por mais tempo do que planejava?
15. Alguma vez você já jogou para fugir das preocupações ou problemas?
16. Alguma vez você já cometeu ou pensou em cometer um ato ilegal para financiar o jogo?
17. O jogo fez com que você tivesse dificuldades para dormir?
18. As discussões, desapontamentos ou frustrações fizeram com que você tivesse vontade de jogar?
19. Alguma vez você já teve vontade de celebrar alguma boa sorte com algumas horas de jogo?
20. Alguma vez você já pensou em se autodestruir como resultado de seu jogo?
A maioria dos jogadores compulsivos respondeu sim a pelo menos sete destas perguntas.
Programa de recuperação
Passo 1 – Admitimos que éramos impotentes perante o jogo, que nossas vidas haviam se tornado ingovernáveis.
Passo 2 – Passamos a acreditar que um Poder superior a nós mesmos poderia nos trazer de volta a um modo normal de pensar e viver.
Passo 3 – Tomamos a decisão de entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados deste Poder de nosso entendimento.
Passo 4 – Fizemos um minucioso e um destemido inventário moral e financeiro de nós mesmos.
Passo 5 – Admitimos a nós mesmos e a um outro ser humano a natureza exata de nossas falhas.
Passo 6 – Ficamos inteiramente dispostos a ter esses defeitos de caráter removidos.
Passo 7 – Humildemente pedimos ao Deus (de nosso entendimento) que removesse as nossas imperfeições.
Passo 8 – Fizemos uma lista de todas as pessoas a quem prejudicamos e nos tornamos dispostos a fazer reparações a todos pelo mal causado.
Passo 9 – Reparamos os danos causados diretamente a essas pessoas sempre que possível, exceto quando a reparação implicasse em prejudicá-las ou a outras.
Passo 10 – Continuamos a fazer um inventário pessoal e quando estávamos errados, prontamente o admitimos.
Passo 11 – Procuramos através da oração e meditação melhorar nosso contato consciente com Deus como o entendíamos, pedindo somente pelo conhecimento de sua vontade perante a nós e a capacidade de realizá-la.
Passo 12 – Tendo feito um esforço para praticar estes princípios em todas as nossas questões, procuramos levar esta mensagem a outros jogadores compulsivos.
Diário Catarinense (SC) – Renato Igor, especial CBN Diário

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