Comissão do Senado aprova legalização dos jogos de azar, mas proposta é polêmica

Destaque I 12.11.16

Por: sync

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A Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional do Senado aprovou, ontem, o projeto de lei (PLS) 186, de 2014, que legaliza jogos de azar — incluindo jogo do bicho, cassinos e bingos. A proposta do senador Ciro Nogueira (PP-PI) irá agora para votação em plenário. A intenção do governo é aprovar o projeto até o fim do ano. No entanto, a medida ainda enfrenta resistência em setores da Justiça, do Ministério Público e das polícias, que duvidam que a legalização dos jogos trará melhorias ao combate ao crime organizado.

Ao longo do último mês, com o objetivo de montar uma radiografia do jogo ilegal no Rio, o EXTRA ouviu promotores, procuradores da República, policiais civis, militares e federais, e consultou documentos sigilosos de inquéritos policiais e processos judiciais.

O material deu origem à série de reportagens “A guerra do jogo”, que revelou que a disputa por territórios entre quadrilhas que exploram o jogo do bicho, máquinas caça-níqueis e bingos clandestinos deixou um rastro de pelo menos 48 mortes nos últimos dez anos no Rio.

De acordo com a proposta, que tem um substitutivo do senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), também tratando das loterias federal e estaduais e do sweepstake (apostas ligadas às corridas de cavalo) “caberá à União autorizar a abertura do procedimento licitatório, a outorga e a regulamentação, a auditoria e a fiscalização da exploração comercial de jogos de azar, bem como a aplicação das sanções cabíveis”. Pelo projeto, a exploração de jogos de azar sem licença será punida com um a cinco anos de prisão e multa.

Os caça-níqueis também são citados no documento: se o projeto foi aprovado, as maquininhas só poderão ser usadas em casas de bingo. A proposta também define os critérios para autorização e as regras para distribuição de prêmios e arrecadação de tributos.

Para promotora Angélica Glioche, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), a legalização do jogo não vai frear a atividade ilegal:

— A legalização não vai mudar o fato de que a cidade está loteada entre quadrilhas. Uma pessoa não vai poder abrir um bingo onde quiser. Há um domínio territorial.

Já Magnho José Santos de Sousa, presidente do Instituto Jogo Legal, uma ONG que produz estudos sobre jogos e loterias, e autor de um estudo que embasa o projeto de lei, acredita que o jogo ilegal tende a sumir com a legalização:

— Em todos os mercados onde o jogo era clandestino, a partir da legalização, o jogo clandestino tem uma queda muito forte.

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Angélica Glioche: ‘Os contraventores vão continuar na atividade ilegal’

Por que você é contra a legalização dos jogos de azar?

Já tivemos uma experiência anterior com a Lei Pelé, em que houve a autorização dos bingos. Mas a fiscalização não é eficaz e não diminuiu em nada o jogo ilegal de bingo. Com essa experiência anterior, acho que a legalização hoje em dia não é segura. Não havendo fiscalização adequada, vai continuar havendo jogo ilegal. O Estado não tem mecanismos eficazes para fiscalizar o jogo de azar no país.

O jogo ilegal vai continuar, mesmo com a legalização?

Os encargos que a pessoa vai passar a ter, se o jogo for legalizado, serão altos, como questões trabalhistas, impostos. Os contraventores vão continuar praticando a atividade ilegal, sem fiscalização. Você acha que pessoas que pessoas que ganham milhões vão abrir mão disso e dar tudo para o Estado? Não. Em algumas áreas da cidade, por exemplo, vai ser impossível que uma pessoa qualquer abra um bingo, porque há um domínio territorial. A legalização não vai mudar isso.

Mas a legalização não pode ajudar no combate ao jogo ilegal e ao crime?

Como o jogo é visto, muitas vezes, como uma atividade inocente, a sociedade não enxerga o que está por trás do jogo ilícito: as mortes, a organização criminosa. A sociedade não enxerga no jogo esse fato grave e acaba sendo conivente com a sua existência. Os contraventores são conhecidos e não são vistos como criminosos por grande parte da sociedade. Isso dificulta muito o combate a essas quadrilhas.

A legalização vai dificultar as investigações?

Sim. Os contraventores vão ter a oportunidade de lavar o dinheiro do jogo ilegal em cassinos e bingos legais. Eles vão ter de passar imposto nesse processo? Sim, mas no fim terão dinheiro limpo. O dinheiro se mistura e é muito difícil controlar.

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Magnho José: ‘Existem atividades mais atrativas para lavar dinheiro’

Por que legalizar jogos de azar?

O jogo legalizado pode gerar investimentos, empregos, mudar a condição de trabalhadores que operam no jogo clandestino e vão passar a ter proteção social. Não é concebível o Brasil ser uma das maiores economias do mundo e não termos uma legislação adequada de jogos e loterias. Além dos investimentos na construção de hotéis cassinos, bingos do jogo do bicho, lojas de apostas esportivas, existe a cadeia produtiva de serviços, sem contar os R$ 21 bilhões por ano de arrecadação com tributação.

Mas como impedir que criminosos condenados entrem no mercado pós-legalização?

Se existe uma pessoa que opera o jogo na ilegalidade e que preenche os requisitos impostos pela lei, ela pode operar o jogo. Para operar o jogo, uma pessoa não pode ter tido problema da Justiça. O projeto de lei já elimina essa possibilidade. Eu acredito que, em mercados não-regulados, quando legalizaram, absorveram os antigos operadores, porque essa é uma das premissas para se reduzir o jogo clandestino. Não adianta nada tentar excluir os operadores clandestinos porque você assim vai continuar estimulando o jogo clandestino.

Não há a possibilidade dos negócios legais virarem lavanderia dos negócios ilegais?

Lavar dinheiro em jogo é caro e arriscado. No mundo, existem milhares de cassinos. Se toda casa de apostas fosse alvo de lavagem, todos os dias saberíamos de casos. Há empresas cotadas em bolsas que tem padrões rígidos. Além de que existem atividades mais atrativas para lavagem de dinheiro.

E como combater a dependência causada pelo jogo, caso a lei seja aprovada?

A patologia não é um privilégio do jogo, existe um comportamento patológico em várias atividades. E é possível identificar quando o jogo vira vício. No mundo inteiro, há a estratégia da educação, mostrar que o jogo não é meio de vida, é entretenimento. O jogador patológico para a casa de apostas é igual ao bêbado para um bar, ele mais atrapalha do que gera ganho. O mundo inteiro caminha para o jogo responsável. O jogador patológico não vai surgir a partir da legalização, ele vai começar a aparecer. (Extra – Rafael Soares – RJ)

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