Japão quer ser um “ator forte”, mas Macau manterá o estatuto de protagonista

Destaque I 21.05.19

Por: Elaine Silva

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Venetian Resort Hotel Macau (Foto: Eduardo Martins)

Os analistas dizem que, confirmando-se a atribuição de três licenças pelo Governo japonês, rapidamente este país será o segundo maior operador na Ásia. O jogo no Japão, tema que está dividindo a sociedade nipônica, esteve em discussão nesta segunda-feira (20) na Fundação Rui Cunha.

É sem dúvida o fenômeno mais importante da indústria do jogo, atualmente, quer na Ásia quer no mundo. A legalização do jogo no Japão, e a atribuição de três licenças, na terceira maior economia do mundo agita por si só a indústria. Mas pode ou não afetar o domínio de Macau no contexto regional e mundial? O especialista da Universidade de Macau, Jorge Godinho, que nesta segunda levou à discussão, na Fundação Rui Cunha, a entrada daquele país neste setor, não acredita numa canibalização, nem sequer num impacto real na RAEM.
Godinho compara o caso à discussão que se fez há uma década quando Singapura deu o mesmo passo. “Não aconteceu nada, não teve um efeito além disso”, relembra o professor ao PONTO FINAL, antes da exposição feita na oitava edição do “Annual Review of Macau Gamming Law”. O evento trouxe quatro convidados vindos do Japão, um dos quais Ayako Nakayama, CEO da Japan IR Association, representante dos interesses do setor do turismo ligado ao jogo, que crê que o Japão poderá “ser um ator forte neste setor no futuro”, e até transformar-se numa ameaça para os operadores em Macau. Ainda assim, salienta, que as concessionárias de Macau “têm também uma hipótese de crescer no Japão”.
“Boom”, estamos na Ásia
O mercado japonês está provocando uma grande excitação entre os operadores, sobretudo os norte-americanos, e não é para menos: os proveitos no continente asiático cresceram 41%, o ano passado, com Macau à frente. Em Las Vegas, a subida foi apenas de 2%. A RAEM faturou seis vezes mais do que a cidade do estado do Nevada, nos Estados Unidos.
Nakayama aponta os casos da Melco e do Galaxy como operadoras com hipóteses de conseguir uma das licenças que estão atualmente em jogo. Mas para já, ainda há muita incerteza no ar, a começar pelas localizações dos IR (Integrated Resorts) — modelo de exploração escolhido pelos japoneses, em que apenas 3% do total do espaço está destinado ao jogo. Osaka é o nome de que mais se fala, e é também a única grande cidade japonesa a demonstrar interesse em albergar “uma catedral do jogo”. Os analistas falam de números que rondam os 24 milhões de visitantes por ano, e receitas de 40 mil milhões de patacas, neste investimento.
Também os prazos de abertura são ainda pouco claros, cinco ou seis anos de espera parece o cenário mais provável. A Goldman Sachs estima que o Japão se torne o segundo maior mercado de apostas do mundo, depois de Macau.
Apertar o cerco da regulação
Uma diferença muito evidente entre o modelo do Japão e o que existe em Macau será ao nível da regulação. Os nipônicos escolheram uma linha muito mais próxima do que a que foi adotada em Singapura. Ayako Nakayama, CEO da Japan IR Association, explica que haverá um ‘mix’ do que é feito em muitas jurisdições pelo mundo, mas declara que para se entrar em cada um destes espaços ter-se-á de pagar seis mil ienes (440 patacas), e só os maiores de 20 anos vão poder fazer. Haverá ainda uma limitação ao número de entradas: três por semana num total de dez por mês.
Jorge Godinho acrescenta ainda o imposto de 30% sobre as receitas brutas dos cassinos, que compara com os 35% praticados em Macau. “Há alguma decepção da indústria que esperaria um modelo mais aberto”, explica o organizador do evento.

Esta é uma discussão que tem agitado a sociedade japonesa, que se mostra muito dividida quanto ao impacto que a introdução deste fenômeno pode ter no país. Há receio que faça crescer a dependência do jogo e a criminalidade. Há sondagens nacionais que mostram que quase 70% da população está contra a medida, mas há outras pesquisas públicas, mais localizadas, nomeadamente uma feita em Osaka, em que por uma margem mínima houve mais participantes a demonstrarem uma posição favorável.
Falta de educação
Ayako Nakayama crê que as desconfianças tendem a desaparecer no momento em que o povo entender que os IR não são cassinos. “O público tem de ser educado, há aspectos que têm de ser melhor entendidos”, sublinhou.
Também a nível político o tema levanta celeuma, o projeto é visto como um desígnio pessoal do primeiro-ministro Shinzo Abe para fazer crescer a economia do país e incrementar o setor do turismo. No entanto, o outro partido que sustenta a coligação que governa o Japão, os budistas do Komeito, tem sido um empecilho importante.
Seja como for, Jorge Godinho, que recentemente escreveu o livro “Os casinos de Macau, História do maior mercado de jogos de azar e fortuna do mundo”, defende que para o turista chinês, o Japão é uma viagem mais longa para onde tem a necessidade de obter um visto. “Não se pode ir ao Japão com tanta facilidade que se pode ir a Macau”, começa por analisar, ao mesmo tempo que diz acreditar que quem vem de Hong Kong, do Cantão, ou Taiwan, por uma questão de tempo e facilidade de transportes, fará mais visitas à RAEM. “O mercado atingiu a estabilidade em números que seriam impensáveis há 10 ou 15 anos”, arrematou.
As duas divisões da Ásia
Olhando para o jogo e fazendo dele um campeonato de futebol, há duas ligas na Ásia: a dos grandes e a dos pequenos. A metáfora é da autoria de Jorge Godinho, professor da Universidade de Macau, que diz que há uma primeira divisão que é “constituída por Macau, Singapura e as Filipinas”. O especialista na área do jogo chama a atenção que “bem perto de nós, junto ao aeroporto de Ninoy Akino, está surgindo um Cotai”. “Há uma certa distância entre os vários resorts, mas apresentam muitas semelhanças: os casinos são perto um dos outros, embora seja necessário andar de táxi”, explica. O Japão, após abrir os resorts integrados, “entrará para esta primeira divisão e até poderá chegar ao segundo ou terceiro lugar de imediato”. A segunda liga joga-se nos emergentes Vietnã e Cambodja, mas também na Coreia do Sul.
O Wall Street Journal escreve, num artigo publicado este mês sobre a corrida dos operadores norte-americanos aos lucros na Ásia, que depois de ganharem muito em Macau, as concessionárias vêm a concorrência aumentar. Os analistas, citados pelo jornal, creem que o crescimento do jogo fora de Macau tem um elevado potencial. Todos lutam pela procura chinesa, claramente o mercado charneira de jogadores. Exemplo do fenômeno, é o resort da Melco, nas Filipinas, que duplicou o número de visitantes vindos da China entre 2015 até 2018.
Fora de Macau, a partir deste ano e até 2021, no Vietnã e no extremo oriente da Rússia, de acordo com dados da Union Gaming, um banco de investimento focado na indústria do jogo, serão investidos mais 81 mil milhões de patacas e 22,5 bilhões de patacas serão gastos no Japão até 2025. No entanto, há ainda desafios muito complexos para serem ultrapassados pelos mercados asiáticos que tentam roubar “a coroa de Macau”. Os destinos emergentes lutam contra os problemas de infra-estruturas. Na RAEM, uma mesa de jogo de um cassino fica a meia hora de distância dos terminais de ferry ou do aeroporto. Já no Nepal ou no Vietnã, a mesma viagem pode demorar horas. No Japão, por outro lado, em que estas questões não se põem, pode haver um choque cultural: como é que se constroem resorts que atraiam os chineses sem perturbar as sensibilidades locais? (Ponto Final – João Carlos Malta – Macau – China)

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