A experiência do Direito Comparado para a regulação econômica de apostas esportivas

Apostas, Destaque I 17.04.19

Por: Elaine Silva

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Tiago Gomes*

A Lei 13.756/2018, que autorizou as apostas esportivas no Brasil, delegou ao Ministério da Economia, por meio da Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria (Sefel), a responsabilidade por sua regulamentação. O tema gera questionamentos e preocupações que devem ser consideradas sob o ponto de vista regulatório em ao menos três frentes, de igual relevância: econômica, tributária e desportiva. Este artigo busca oferecer apontamentos para contribuir com a construção da regulação das apostas esportivas sob a perspectiva de regulação econômica a partir da experiência do Direito Comparado.
Se no Brasil, a despeito das restrições legais que existiam, o mercado de apostas esportivas já é uma realidade há muitos anos, ao redor do mundo trata-se de um negócio bastante consolidado e devidamente regulamentado em cerca de 30 jurisdições, incluindo desde países altamente relacionados à inovação digital, como a Estônia, países adeptos da common law, como Canadá, Reino Unido e Irlanda — além de alguns estados dos Estados Unidos —, e países de tradição jurídica romano-germânica como Alemanha, Bélgica, França, Espanha e Portugal.
Os regimes de regulação adotados nesses países variam basicamente entre três modelos: o monopólio, o licenciamento limitado e o livre mercado. As preocupações que justificaram suas adoções por tais países, assim como os sucessos e fracassos experimentados em cada um deles, podem ser bastante úteis na definição do modelo regulatório a ser seguido no Brasil. Conhecê-los, portanto, contribui para a discussão daquilo que será implantado no país.
O regime de monopólio adotado por Áustria, Canadá, Filipinas, Hungria e Suécia é conhecido dos brasileiros por se assemelhar muito ao regime adotado para as loterias operadas pela Caixa. Neste modelo, apenas um operador é autorizado a prestar os serviços de apostas esportivas (concessionários privados, no Canadá e Filipinas, ou o próprio Estado nos demais). Embora esse modelo tenha a vantagem de oferecer ao Estado grande controle sobre a qualidade e idoneidade do operador, tem como desvantagem a rivalidade de operadores a partir do exterior. O risco dos consumidores preferirem esses agentes é elevado, e isso esvaziaria os efeitos da regulação e os benefícios sociais que se poderia esperar.
O segundo modelo, de concessão de um número limitado de licenças de operação, tem a Alemanha como principal exemplo. Neste regime, como o número de licenças é limitado, a jurisdição pode cobrar mais por sua concessão, além de impor critérios mais rigorosos para a seleção dos operadores e de uma regulação mais exigente. O modelo tem os mesmos problemas do regime monopolístico: se os padrões e custos forem tão elevados a ponto de afastar um número elevado de competidores, é possível que haja estímulos para os consumidores buscarem operadores ilegais ou estrangeiros, reduzindo o alcance dos benefícios buscados com a implantação deste regime.
Por fim, no regime de livre mercado, a concessão de licenças pelas autoridades locais não está sujeita a uma limitação quantitativa, mas apenas ao atendimento pelos operadores das exigências impostas pela regulação local e, normalmente, do pagamento das taxas e custos relativos à concessão das licenças e o monitoramento de suas operações. Países como Bélgica, Costa Rica, Dinamarca, Estônia e Reino Unido adotaram esse modelo.

As vantagens desse regime são a redução do estímulo à ilegalidade ou à prestação dos serviços a partir do exterior, o que permite à jurisdição se beneficiar do aumento da arrecadação com taxas e tributos, que podem ser revertidos, por exemplo, no incremento da malha de prevenção a possíveis danos sociais e na própria capacidade de monitoramento e fiscalização das atividades dos operadores. Oferece, também, um leque amplo de estratégias regulatórias. Bélgica e Estônia, por exemplo, ao passo que concedem licenças ilimitadas, proíbem a operação de agentes não licenciados, mesmo a partir do exterior, restringindo inclusive o acesso aos sites desses agentes no território nacional. A Costa Rica, por outro lado, adotou uma regulação extremamente permissiva, o que aliado à ausência de tributação e bom desempenho da economia local atraiu mais de 200 operadores ao país.
Contudo, deve ser dito que a experiência estrangeira indica que o sucesso deste último regime dependerá, além da qualidade da regulação que a acompanhará, da atratividade da economia local e, também, do regime tributário, que deve ser suficientemente eficiente para garantir a maior arrecadação possível e, ainda assim, tornar atrativo aos agentes a operação naquele país.
Como se vê, a opção do regime regulatório local dependerá de uma série de escolhas políticas, econômicas e sociais que deverão ser feitas pelo regulador, tornando complexa a tarefa dos quadros técnicos da Sefel. A experiência internacional, ainda que não garanta uma resposta definitiva, oferece alternativas para a definição do modelo nacional e certamente está sendo ponderada. (Revista Consultor Jurídico)
(*) Tiago Gomes é sócio do Ambiel, Manssur, Belfiore & Malta Advogados, mestre em Direito Comercial e graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)
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